Imagine um país quase plano e com área territorial menor que a do estado do Paraná. A maior distância entre seus pontos extremos é de 571 km. Junte a isso uma extensa rede para recarga para automóveis, incentivada por uma estatal de energia que trocou suas termelétricas por geração eólica. Na falta de grandes indústrias automobilísticas locais, marcas de todo o mundo concorrem em pé de igualdade. E, para completar, o litro da gasolina é caro, custando o equivalente a US$ 1,80 (uns R$ 10,60 pela cotação atual).
Estamos falando do nosso vizinho Uruguai, onde os carros elétricos puros já representam 8,8% das vendas totais de carros e comerciais leves. É a segunda maior participação dos BEVs em um mercado latino-americano — atrás apenas da Costa Rica, onde os elétricos já são 12,4% das vendas. Lembramos que, no ano passado, os elétricos puros ficaram com 2,4% do total do mercado brasileiro e 13,6% do mercado europeu.
Em 2024, as vendas de BEVs no Uruguai mais do que triplicaram em relação às do ano anterior, alcançando 5.856 unidades de um total de 65.909 carros, comerciais leves e caminhões 0km comercializados no país, segundo dados da Asociación del Comercio Automotor de Uruguay (Acau). Para comparar, em 2023 foram vendidos apenas 1.887 elétricos. Quem anda pelas ruas de Montevidéu, a capital do país, percebe com clareza todo esse aumento.

A BYD ficou em quarto lugar no ranking de vendas de dezembro de 2024, atrás apenas de Chevrolet, Fiat e Renault — e superando Volkswagen, Hyundai e Suzuki, três marcas que já foram campeãs de emplacamentos no país. Por onde se olhe, há um E2 ou um Seagull, como são chamados o Dolphin e o Mini Dolphin por lá. A chinesa começou a marcar presença no Uruguai há dez anos, com os táxis E6 e os ônibus K9, ambos elétricos.
De meses para cá, outros compactos elétricos começaram a se tornar comuns nas ruas da capital, especialmente o GWM Ora 03, o Nammi by Dongfeng e o Geely Geometry E.
Há ainda uma infinidade de outras marcas e divisões chinesas (Bestune, Jaecoo, Omoda, Zeekr, Leapmotor, Chery, GAC, Neta, Deepal, MG, Riddara…) com elétricos maiores e mais luxuosos, além de microcarros como o BAW Pony e veículos comerciais.
O Uruguai é um dos países que cobram maior tributação para carros novos na América do Sul. Uma das taxações é o Imposto Interno Específico (Imesi, aplicado à primeira venda de certos bens como combustível, bebidas, cosméticos, cigarros e veículos), que gira em torno de 30% a 35% para automóveis com motor a combustão. Junte a isso os 23% de imposto de importação (não cobrado sobre modelos fabricados no Mercosul e no México) e mais os 22% do Imposto de Valor Agregado (IVA), e você poderá imaginar como são caros os carros no país vizinho.
Já os veículos elétricos têm isenção total do Imesi, bem como do imposto de importação. Além disso, a patente (IPVA uruguaio) para os carros elétricos é a metade da cobrada para modelos a combustão. Empresas que adotam os elétricos como carros de serviço têm ainda vantagens na tributação de seu Imposto de Renda.

Com 7% de participação no mercado, os híbridos convencionais e “híbridos enchufables” (que é como os uruguaios chamam os PHEV) também têm descontos, mas menores que os oferecidos aos elétricos puros.
Mesmo com todas essas isenções, os carros ainda são mais caros no Uruguai. Como referência, um BYD Dolphin GS no país vizinho custa US$ 29 mil (R$ 172 mil), enquanto no Brasil sai por R$ 158.900.
Essa opção não é apenas uma questão ambiental mas, principalmente, econômica: com os carros e ônibus elétricos, o Uruguai reduz sua dependência do petróleo importado. E o próprio país, nas duas últimas décadas, promoveu uma transição energética extremamente bem sucedida, que permitiu ter certa folga na geração de eletricidade. Até a primeira década deste século, eram as poluentes usinas térmicas que garantiam a eletricidade nas épocas de seca, quando faltava água para tocar as hidrelétricas (e, mesmo assim, havia apagões).
Em 2008, o Uruguai passou a investir em parques eólicos. Em anos com chuvas normais, 98% da demanda de eletricidade do país hoje é atendida por energia renovável, por meio de uma combinação de energia eólica (34%), biomassa (12%), solar (3%) e hidrelétrica tradicional (49%).
O alto custo dos combustíveis fósseis no Uruguai é o principal fator que pesa na compra de um elétrico:
“Tínhamos um Chevrolet Cruze e gastávamos cerca de US$ 600 por mês em gasolina. Compramos um BYD Yuan Plus e, agora, gastamos 10% desse valor”, calcula o contador Claudio Bidegaray, que mora em Fray Marcos, cidadezinha a 100 quilômetros de Montevidéu, e vai três vezes por semana à capital.
As tarifas de energia para carregamento em casa são de 11,49 pesos uruguaios/kWh (R$ 1,54) em horários de pico, 2,40 pesos uruguaios/kWh (R$ 0,32) de madrugada ou 5,08 uruguaios/kWh (R$ 0,68) aos sábados domingos e feriados. Assim, uma carga completa noturna não custa mais do que 150 pesos uruguaios (R$ 20). Uma pechincha diante dos R$ 10,60 cobrados por um litro de gasolina comum, ou R$ 11 a premium.

Foto de: BYD
Nos carregadores rápidos da UTE, é cobrada uma taxa fixa de uso de 121,90 pesos uruguaios (R$ 16,40), mais 10,80 pesos uruguaios por kWh (R$ 1,45). Táxis e carros de aplicativos têm descontos de 40%.
Em carregadores de shoppings, cobra-se em torno de 16 pesos uruguaios (R$ 2,15) por kWh.
O contador Claudio diz que também analisou custos de manutenção, licenciamento, seguro e outros gastos relacionados ao veículo, conseguindo reduções significativas. A mudança foi parte de um projeto de investimento empresarial que reduziu o custo do veículo devido à dedução do imposto de renda.
“O licenciamento custa 21 mil pesos uruguaios anuais (R$ 2.800), metade do valor cobrado de carros a gasolina. A manutenção a cada 20 mil quilômetros não ultrapassa US$ 200, exceto aos 100 mil quilômetros, quando é um pouco mais cara”, contabiliza Claudio, cujo Yuan Plus já está com 90 mil quilômetros rodados.
“El Paisito”, como é carinhosamente chamado por seus habitantes, tem pequena extensão mas uma vasta rede de recarga. A UTE (Usinas y Trasmisiones Eléctricas, empresa estatal da energia) mantém cerca de 300 carregadores rápidos em postos de combustíveis de todo o Uruguai. Isso equivale a um ponto de recarga rápida a cada 50 quilômetros, no que é chamado de “Rota elétrica nacional”.

A estatal firmou acordos com governos dos 19 departamentos (como são chamados os estados da federação) para instalar esses dispositivos em espaços públicos e também oferece benefícios especiais, como a isenção dos custos de instalação, para estabelecimentos particulares que queiram oferecer aos clientes pontos de recarga para BEVs — a maioria dos shoppings e supermercados de Montevidéu tem pelo menos um.
“Em outubro de 2022, quando compramos o carro, ainda não havia muitos pontos de recarga no Uruguai, mas hoje eles estão muito mais disseminados. Para o lado Nordeste do país pode ser um pouco mais complicado, mas é questão de se acostumar à ideia de que é necessário parar no máximo uma hora para recarregar completamente a bateria. É uma questão de hábito”, afirma Claudio.
Para otimizar o uso das estações, a UTE oferece descontos de até 50% nas tarifas de recarga para ônibus e táxis, em trechos específicos. Além disso, a estatal desenvolve um sistema para discriminar, no consumo elétrico doméstico, quanto é destinado à carga de veículos, buscando diferenciar as tarifas em relação a horários e preços.
“As desvantagens são as viagens longas para locais onde não há pontos de recarga rápidos. Também não fizemos viagens ao exterior com o carro”, relata Claudio.
Mesmo assim, ele não pensa em voltar para um modelo a combustão:
“Já estou pensando no próximo elétrico. O conforto é incrível. As aplicações na tela, o entretenimento e outros recursos são excelentes”.
Na família, há carros híbridos, mas Claudio prefere mesmo os BEVs:
“Eu gosto dos Toyotas híbridos, mas se tivesse um, seria como segundo carro”.