Terapias psicodélicas também têm resultados negativos

há 1 dia 1

A aparência de panaceia para tudo quanto é transtorno mental sempre representou um calcanhar de aquiles para pesquisas clínicas com substâncias psicodélicas. MDMA, psilocibina, LSD e quejandos pareciam remédio para tudo –alcoolismo, anorexia, ansiedade, autismo, bipolaridade, demência, dependência química, depressão, enxaqueca, estresse pós-traumático, fibromialgia, TDAH, TOC...

"Não existe bala de prata", gritava o grilo na cabeça do jornalista de ciência com 45 anos de janela, na qual já viu de tudo aparecer como remédio –e também o seu contrário. Felizmente, resultados negativos acontecem, com o efeito colateral de pôr em perspectiva o potencial terapêutico dessas drogas, que parecem ter espectro bastante amplo de aplicação, sim, mas não infinito.

O primeiro resultado negativo recente veio da Suíça e dizia respeito ao emprego de psilocibina (psicoativo de cogumelos Psilocybe) para prevenir recaída no abuso de álcool. O teste clínico de fase 2 arrolou 37 voluntários com tratamento de abstinência nos seis meses anteriores, que receberam dose única de 25 miligramas do psicodélico, ou placebo, com breve apoio psicoterápico.

O artigo de Nathalie Rieser e colaboradores saiu no periódico eClinicalMedicine. Um dos autores é Frank Vollenweider, legendário pesquisador que manteve viva essa linha de estudos na Universidade de Zurique. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos na duração da abstinência após quatro semanas e após seis meses, nem na quantidade média de álcool ingerida.

O outro resultado negativo também veio da Suíça, mas da Universidade da Basileia, em colaboração com a congênere de Maastricht (Holanda). Nesse caso se tratava de ensaio clínico também de fase 2, mas com 12 microdoses de 20 microgramas de LSD, ou placebo, para transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

O estudo de Lorens Mueller e colegas saiu no periódico Jama Psychiatry, publicado pela Associação Médica dos EUA. Participaram 53 voluntários na Suíça e na Holanda, ao longo de seis semanas, com o objetivo de testar a eficácia desse uso comum de pequenas quantidades de LSD para melhorar cognição. Para desencadear experiências psicodélicas plenas, as doses usuais superam 150 mcg.

Observou-se redução de sintomas de TDAH nos dois grupos, mas sem diferença estatisticamente significativa entre eles. "Esses resultados questionam a prática anedótica [de microdosagem] e destacam a importância de ensaios controlados por placebo na pesquisa psicodélica de doses baixas", concluem os autores.

Reveses ainda mais importantes podem estar em gestação no campo psicodélico, que ainda amarga o rescaldo da decisão em agosto da agência de fármacos dos EUA, FDA, contra a psicoterapia com MDMA (ecstasy) para transtorno de estresse pós-traumático. A bola da vez na cancha da FDA é psilocibina contra depressão, com dois testes clínicos de fase 3 em andamento, um deles pela empresa Compass Pathways, que tem dado seus tropeços.

O boletim Psychedelic Alpha noticiou dia 28 problemas com dados do estudo de fase 2 da Compass, reunidos após um ano de acompanhamento. Foram recrutados 233 participantes, um dos maiores ensaios clínicos controlados já feitos com psicodélicos, divididos em três grupos: 25 mg, 10 mg e 1 mg (controle).

O tempo transcorrido até o primeiro episódio depressivo, segundo comunicado da companhia, foi de 92, 83 e 62 dias, respectivamente, e o intervalo de 9 dias entre os dois primeiros grupos está sendo considerado pouco animador. Também surgiram limitações estatísticas decorrentes do tamanho da amostra, que parece ter sido pequena para os objetivos pretendidos.

Em paralelo, as ações da Compass estão caindo. A queda alcançou 70% na comparação com um ano atrás. Apresar disso, analistas ainda não preveem risco financeiro para a empresa.

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