Antes confinado ao quintal do fisiculturismo, o whey prosperou. É hoje o garoto-propaganda do mundo fitness. Bálsamo dos adolescentes magricelos e dos velhinhos frágeis. Há quem diga que, de tão poderoso, o dito-cujo traz de volta a comida amada. Sorvete, brigadeiro, mousse, bolo, bolacha, mingau, milk shake e outros hereges do shape se redimem pela unção de um scoop da sagrada proteína do soro do leite (nome de batismo do whey). Glória!, entoa a indústria dos suplementos. Amém!, ecoam os devotos da maromba. Mas venha cá, caro leitor, tamanha adoração se justifica?
Paira no ar o sentimento de que há em curso uma epidemia descontrolada no mundo fitness: a deficiência de proteína. Na falta dela, todo o esforço despendido na busca por um corpo torneado seria inútil. Daí a tara pelos suplementos proteicos. Mas há um furo no raciocínio. Ao contrário do que imaginam, praticantes de musculação costumam comer muita proteína —às vezes, duas ou três vezes mais do que o recomendado. Isso é mais do que o suficiente para possibilitar o almejado ganho de músculos.
E vale sublinhar a expressão "mais do que o suficiente". À diferença do carboidrato e da gordura, cujos excessos são estocados no corpo, respectivamente, na forma de glicogênio e —para o nosso desespero— tecido adiposo, a sobra da proteína é inevitavelmente oxidada (ou eliminada, se preferir). Por isso, quando o consumo de proteínas na alimentação atinge sua capacidade máxima de metabolização, a suplementação não passa de um desperdício de dinheiro.
Disso decorre a constatação de que não é lógico suplementar proteína sem antes avaliar se o consumo desse nutriente na alimentação é adequado. Cumpre lembrar que, via de regra, a avaliação da ingestão de proteínas tende a apontar que a suplementação é supérflua.
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Mas exceções existem. Idosos mais debilitados e pessoas veganas, por exemplo, podem encontrar mais dificuldades para consumir quantidades adequadas de proteínas. Nesses casos, geralmente são necessários alguns ajustes dietéticos, como a adição de alimentos proteicos (carnes, leite, ovo, soja etc) ou a prescrição de algum suplemento.
E isso não confere nenhum privilégio ao whey. A maioria dos estudos clínicos que compara diferentes fontes de proteínas no anabolismo muscular demonstra equivalência entre elas. Nosso grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) realizou uma pesquisa com idosos vulneráveis suplementados com whey, proteína vegetal (soja) ou placebo. Todos os participantes realizaram um programa de treinamento de força. A resposta ao treino foi positiva em geral, com ganhos consideráveis de funcionalidade e massa muscular. Porém, os suplementos foram igualmente ineficazes em potencializar os benefícios do exercício.
Em outro estudo do nosso laboratório, comparamos as respostas ao treinamento de musculação em adultos veganos e onívoros (que consomem alimentos de origem animal e vegetal). Os dois grupos receberam um aporte extra de proteínas (soja para veganos e whey para onívoros), de modo a garantir que consumissem uma quantidade ótima do nutriente. Ao final da intervenção, ambos apresentaram ganhos similares de hipertrofia e força, a despeito das diferenças de dieta e suplementação.
A moral da história é que dificilmente entusiastas da musculação se alimentarão com menos proteínas do que o necessário. E para os poucos que, por ventura, apresentarem uma ingestão aquém do ideal, o whey não será uma fonte proteica superior a outras menos glamorosas (e, decerto, mais baratas). Exceto à indústria, o culto ao whey não faz sentido.