Em entrevista recente a diversos jornalistas, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, apontou que o governo deveria resgatar o teto de gastos anterior, que congelava os gastos reais por dez anos, caso quisesse viabilizar uma Selic mais baixa. Ele foi ainda mais enfático ao dizer que essa seria "(...) a única maneira para a taxa básica de juros cair a um dígito". Ainda segundo ele, o teto de gastos da emenda constitucional 95/2016 foi o único que permitiu que o Banco Central perseguisse a meta de inflação e juros reais e nominais mais baixos.
Eu não poderia discordar mais. Bem, em primeiro lugar, cabe relembrar o fato de que diversos especialistas alertavam que o teto de gastos original, com correção real nula das despesas, era inviável até 2026, mesmo após a reforma da Previdência, em 2019. Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco sugeriram, ainda em meados de 2019, um novo teto com reajustes reais positivos e crescentes no tempo a partir de 2023, acompanhado de um subteto para investimentos.
No mais, vale lembrar que, quando aquele teto de gasto foi proposto, a ideia era restaurar a sustentabilidade fiscal brasileira —isto é, estancar a tendência de alta do endividamento público em % do PIB observada em 2014/16 (quase 16 p.p.). Contudo, entre 2017 e 2019, a dívida líquida do setor público consolidado subiu 8,6 p.p. do PIB e, em dezembro de 2019, antes da pandemia, as expectativas de mercado apontavam que a dívida subiria mais 5 p.p. do PIB nos quatro anos subsequentes, começando a recuar somente oito anos após o início da adoção do teto. Ou seja: a dívida subiria quase 14 p.p. ao longo de oito anos antes de recuar.
Isso porque o resultado primário estrutural da União pouco mudou ao longo desse período, permanecendo muito abaixo dos níveis necessários para estabilizar a relação dívida/PIB: segundo estimativas da SPE/Fazenda, esse indicador, que foi de -1,3% do PIB potencial em 2016, ficou praticamente estável nesse nível até 2022, quando foi de -1,5% (levando em conta o cálculo que expurga o excesso de inflação ante as metas e os efeitos cíclicos do PIB e dos preços de commodities sobre as receitas tributárias).
A inflação e os juros baixos observados nos três anos iniciais do teto de gastos anterior refletiram em boa medida fatores pouco ligados àquela regra fiscal, tais como: a elevada ociosidade da economia brasileira naquele período (que perdurou até o começo do ano passado), em um contexto no qual o PIB cresceu 1,4% a.a.; a expressiva e inédita deflação dos preços dos alimentos em 2017 (que também ajudou a inflação de 2018, via inércia/indexação); e, por fim, o ambiente de juros internacionais atipicamente baixos (na média 2017-2022, o juro de dez anos norte-americano foi de cerca de 2% a.a., menos da metade dos 4,3% a.a. do último ano e meio).
O que o Brasil precisa para voltar a ter juros nominais de um dígito com inflação baixa é de um superávit primário recorrente de pelo menos 1% a 1,5% do PIB, independentemente da composição de carga tributária e despesas que gerem isso, bem como alguma coordenação entre as diversas políticas econômicas (fiscal, parafiscal e financeira/creditícia), de modo a não sobrecarregar a política monetária —em um contexto no qual, hoje, a economia brasileira dá sinais nítidos de superaquecimento.
Também ajudaria uma meta de inflação mais adequada à nossa atual realidade (4% a 4,5%, segundo trabalho recém-publicado do professor Aloísio Araújo e coautores).
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