INSS represa benefício a pescadores por três meses, e concessão explode no início de 2025

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O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) suspendeu por três meses a análise de novos pedidos do seguro-defeso, benefício de um salário mínimo (R$ 1.518) pago a pescadores artesanais. O represamento, ocorrido no fim de 2024, deixou parte dos trabalhadores sem receber no período em que a pesca é proibida e gerou uma explosão nas concessões no início de 2025.

O salto de 35% na quantidade de parcelas no primeiro bimestre deste ano, que impulsionou um aumento de 45% na despesa com a política no mesmo período, motivou o Ministério do Trabalho e Emprego (responsável pelas políticas de seguro-desemprego) a encaminhar um ofício ao INSS cobrando explicações.

"Este comportamento atípico, com aumento substancial tanto em termos quantitativos quanto financeiros, exige atenção com vistas a sua análise detalhada e fundamentada, considerando as responsabilidades do INSS no processamento desses requerimentos", diz o documento de 24 de fevereiro, ao qual a Folha teve acesso.

Em 12 de março, o instituto respondeu que precisou suspender a análise de requerimentos feitos a partir de 16 de setembro do ano passado, devido à publicação de uma lei exigindo cadastro biométrico para a concessão do benefício —medida aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A interrupção das análises durou até 20 de dezembro. Segundo o INSS, esse período de mais de três meses foi necessário para implementar ajustes no sistema para validar a biometria. A portaria que regulamenta o procedimento só foi publicada em 2 de janeiro de 2025.

"Considerando a complexidade da necessidade do registro biométrico, a qual visa evitar fraudes na concessão e pagamento do SDPA [seguro-defeso do pescador artesanal], foi necessário um período de ajustes sistêmicos para cruzamento de dados e regular pagamento do benefício, ficando os requerimentos sem prosseguimento até o dia 20/12/2024, sendo analisados manualmente e tão somente [os pedidos] protocolados até 15/09/2024", disse o órgão em nota.

A Dataprev, empresa de tecnologia responsável pelos sistemas do INSS, afirmou que não houve qualquer problema na análise dos pedidos de seguro-defeso, mas sim a abertura de um prazo de 120 dias para que os segurados fizessem o cadastro biométrico. O prazo consta na portaria de 2 de janeiro.

Em ofício ao Ministério do Trabalho, também obtido pela Folha, o INSS detalha como a suspensão afetou o fluxo de análises dos requerimentos e de pagamentos.

Em outubro de 2024, foram concluídos somente 36,9 mil pedidos do benefício, queda de 68,4% em relação a igual período de 2023 (quando foram analisados 117 mil). No mês seguinte, os servidores finalizaram só 30,9 mil tarefas, recuo de 84,3% ante um ano antes (196,5 mil).

Em dezembro, as análises concluídas saltaram a 314,5 mil, boa parte após a retomada. Mas o reflexo nos pagamentos se deu só em janeiro de 2025, com um novo Orçamento já em execução.

O represamento do seguro-defeso se deu no momento em que o governo Lula enfrentava dificuldades para fechar as contas de 2024 sem violar regras fiscais. O ritmo acelerado de expansão de gastos com benefícios obrigatórios tem obrigado a equipe econômica a bloquear recursos de outras áreas, como investimentos, para não estourar o limite de despesas.

Com o fim do represamento, o Ministério do Trabalho emitiu 1,26 milhão de parcelas do seguro-defeso em janeiro, mais que o dobro das 506 mil prestações observadas em igual mês de 2024. A fatura também cresceu para R$ 1,9 bilhão, contra R$ 714,7 milhões um ano antes.

Segundo o INSS, o atraso na análise resulta no pagamento de valores retroativos aos segurados, o que aumenta o número de parcelas. Em fevereiro, os números seguiram elevados, mas mais próximos do observado em 2024.

Mesmo após a retomada dos processos, muitos pescadores ainda não conseguiram regularizar a situação, segundo o relato de entidades que representam esses trabalhadores.

Gilmar Coelho, presidente da Federação de Pescadores do Rio Grande do Sul, disse que há pescadores que já fizeram a nova documentação, com cadastro biométrico, e mesmo assim não conseguem receber o benefício. Dos pedidos encaminhados desde o fim do ano passado (entre 3.000 e 4.000), ele estima que cerca de 900 ainda estão travados.

"Eu mesmo consultei o [processo] de um pescador, ele fez a biometria, já faz mais de 90 dias, e continua sem receber porque lá no INSS ainda aparece que não fez", afirmou. "Tem um defeito no sistema, não roda o cruzamento de dados."

Procurado, o INSS não respondeu sobre esse ponto. A Dataprev disse não ter qualquer indicativo de que isso esteja ocorrendo. A empresa acrescentou que "não identifica nenhum problema nos sistemas do seguro-defeso e não há impacto nos processos de concessão e pagamento do benefício".

Edmir Manoel Ferreira, presidente da Federação dos Pescadores do Paraná, disse que os profissionais do estado também enfrentam problemas. Segundo ele, 404 pescadores fizeram a biometria, mas ainda não receberam o benefício.

No início de fevereiro, representantes da CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura) se reuniram com o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, para discutir o problema.

A regularização dos pagamentos represados no ano passado deve impor um desafio adicional à equipe econômica na gestão do Orçamento deste ano. O governo havia reservado R$ 4,4 bilhões para o seguro-defeso em 2025, valor que já era inferior aos R$ 6,6 bilhões destinados no ano passado. Agora, com a explosão nas concessões, o Executivo já comprometeu 72,1% da dotação disponível em pouco mais de dois meses.

Em sua primeira resposta à Folha, o INSS informou que não seria necessário pedir suplementação de recursos. Um dia depois, o órgão disse ter recebido "a informação da necessidade de suplementação orçamentária para o ano de 2025" e orientou procurar o Ministério do Trabalho —que inicialmente recomendou buscar o INSS e depois, confrontado com a resposta do órgão, não respondeu mais.

O Ministério do Planejamento e Orçamento disse que não recebeu o ofício de alerta sobre o aumento no seguro-defeso e que o processo de atualização de estimativas está em curso.

"Por serem despesas obrigatórias, serão atendidas caso seja confirmada a necessidade, assim como serão adotadas as medidas necessárias para garantir o cumprimento da meta fiscal e dos limites estabelecidos na LC 200 [lei do arcabouço fiscal]", afirmou o Planejamento.

O Ministério da Pesca e Aquicultura, responsável pelo registro dos pescadores, disse que a concessão do seguro-defeso é de "competência exclusiva do INSS". Ministério da Fazenda e Casa Civil não se manifestaram.

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