O lema “Mais rápido, mais alto, mais forte” por pouco não levou um adendo: “mais potente”. O automobilismo já foi cogitado como um esporte olímpico e, por duas vezes, fez parte da programação dos Jogos Olímpicos. Parte da Exposição Universal de Paris de 1900, a II edição das Olimpíadas teve peculiaridades jamais repetidas, como exibições de balonismo e uma prova de natação com obstáculos. Incluiu, também, uma corrida de carros e de motocicletas.
Conta Jeroen Heijmans, pesquisador que se dedica ao tema das Olimpíadas, que um esporte tinha que atender a cinco critérios para ser considerado “olímpico” em 1900: permitir a entrada de participantes de todas as nações; não dar vantagem a qualquer atleta; estar aberto a pessoas de todas as idades, raças, religiões etc; não admitir profissionalização e, por fim, não se basear no uso de motores.
O último critério eliminaria as provas automobilísticas do evento criado pelo Barão Pierre de Coubertin, mas o fato é que os Jogos de Paris-1900 foram palco para nada menos que 16 competições de automóveis e motos - as categorias incluíam até corridas de táxis elétricos (com 300 km de percurso) e provas para furgões e caminhões.
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Paris-Toulouse-Paris 1900 - Levegh, medalha de ouro
As corridas principais fizeram parte da prova Paris-Toulouse-Paris, uma disputa de velocidade e resistência mecânica que pode ser comparada aos ralis atuais. “Esses desafios bem poderiam ser considerados olímpicos, não fosse a cláusula sobre esportes motorizados. Assim, prefiro classificar tais eventos apenas como exibições”, escreveu Heijmans no artigo “Motorsport at the 1900 Paris Olympic Games”, publicado na edição de setembro de 2002 do “Journal of Olympic History”.
Ainda que fizesse parte da programação dos Jogos Paris-1900, a prova Paris-Toulouse-Paris foi organizada pelo Automóvel Clube da França. Carros e motocicletas existiam há não mais do que 15 anos (tomando como marco zero as invenções patenteadas por Gottlieb Daimler e Karl Benz) e ainda eram considerados excentricidades de gente rica. Para comprovar a confiabilidade dessas máquinas, desafios de longa quilometragem ganhavam força desde a última década do século XIX.
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Com um percurso de 1.347 km, em tempos de estradas sem asfalto, a Paris-Toulouse-Paris foi disputada ao longo de três dias, de 25 a 28 de julho (os Jogos Olímpicos, nessa época, duravam meses, e a edição de 1900 aconteceu entre maio e outubro daquele ano). Foi difícil para os organizadores conseguirem a permissão das autoridades para realizar a corrida, que só entrou na programação oficial poucos dias antes da largada.
A cada dia, era disputada uma etapa: Montgeron-Toulouse, depois Toulouse-Limoges e, por fim, Limoges-Montgeron (vale dizer que Montgeron é uma espécie de subúrbio a 20 quilômetros do centro da capital francesa). Nessa prova havia três categorias: automóveis, motocicletas e voiturettes — estes eram carrinhos leves com motores de pequena cilindrada. Quase todos os 78 inscritos eram franceses, com um ou outro britânico na lista. Apenas 55 largaram, em espaços de dez em dez minutos, e só 21 resistiram até a bandeirada final.
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Na primeira etapa, o piloto Alfred Velghe — sob o pseudônimo Levegh — dominou a categoria automóveis com seu potente Mors, capaz de manter médias acima de 65 km/h, um espanto para a época. Aos 30 anos de idade, o belgo-francês Levegh já era um veterano em provas de longa distância, sempre correndo com carros da marca francesa Mors, uma das primeiras a usar motores em V. Depois de três dias de prova, Levegh ficou com o ouro.
No encalço de Levegh vinha Arthur Pinson, que chegou a fazer os melhores tempos na segunda e na terceira etapa da prova, com seu Panhard & Levassor. Outro francês que provou seu valor foi Carl Voigt, que também corria com um Panhard & Levassor.
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Ao cabo de três dias de prova, os organizadores começaram a destrinchar as medições dos 82 postos de controle, e só em 15 de agosto oficializaram o resultado: vitória para Levegh, que fez o percurso da prova em 20h50m, com uma vantagem de 2h39m sobre Pinson e Voigt.
Georges Teste levou a melhor entre as motos (na verdade, pilotava um triciclo De Dion, que chegava a 60km/h), enquanto Louis Renault, fundador da marca que levava seu sobrenome, venceu na classe das voiturettes, pipocando pela França a uns 40 km/h.
Como nos esportes olímpicos oficiais, a Paris-Toulouse-Paris deu medalhas de ouro, prata e bronze aos melhores colocados em cada categoria. A diferença é que os organizadores também pagaram prêmios em dinheiro.
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Alfred Velghe “Levegh” morreu de câncer de garganta em 1904, com apenas 33 anos de idade. Infelizmente, seu sobrenome adotivo hoje é mais lembrado por um acontecimento trágico na história do automobilismo: Pierre Levegh, sobrinho de Alfred, foi o protagonista do pior acidente da história das corridas, quando decolou com seu Mercedes-Benz 300 SLR nas 24 Horas de Le Mans de 1955 e caiu sobre o público, matando 84 pessoas.
Nos Jogos de Londres-1908, cogitou-se promover outras corridas de carros. A ideia não foi adiante e os únicos esportes motorizados que aconteceram foram provas com barcos. Em 1912, o Comitê Olímpico Internacional proibiu explicitamente a inclusão dos esportes a motor nos Jogos.
Durante os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, o automobilismo teve um breve regresso como “esporte de demonstração”, na forma de um rali com pontos de largada em diversos países europeus (como acontecia no Rali de Monte Carlo). Era o Olympia-Automobil-Stern-Fahrt, com nada menos que 124 carros inscritos.
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Uma das equipes era formada pela piloto britânica Elizabeth "Betty" Haig e sua navegadora Barbara Marshall. Guiando um pequeno Singer Le Mans 1500 elas foram de Birmingham, na Inglaterra, a Colônia, na Alemanha. Daí, desceram até o sul do país, cruzaram os Alpes Bávaros e tomaram o rumo norte, para receber a bandeirada final no Circuito de Avus, em Berlim. Foi um percurso épico, com mais de 3.200 quilômetros no total, e a dupla levou a medalha de ouro, ficando à frente do alemão Fritz Huschke von Hanstein, o segundo colocado, com um BMW 328.
Vitoriosas, Betty Haig e Barbara Marshall desfilaram pela Unter den Linden, principal avenida de Berlim, diante de uma multidão de pessoas de todas as nacionalidades. Foi o último momento de glória do automobilismo relacionado aos Jogos. Desde então, a gasolina anda fora das Olimpíadas.