Ganho de trabalhador mais pobre supera inflação de alimentos, mas não beneficia Lula

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A metade mais pobre dos trabalhadores brasileiros foi a que mais teve aumento na renda em 2024. Seus ganhos subiram 10,7% acima da inflação, superando os 8,7% da classe média e os 6,7% do decil no topo da pirâmide. Na média geral, a renda do trabalho formal e informal subiu 7,1%.

A alta no ganho dos mais pobres representou melhora na distribuição de renda e superou inclusive a inflação de alimentos (7,7%), item com o qual as famílias de baixo poder aquisitivo gastam boa parte do que recebem.

O ano passado registrou também aumento na produtividade dos trabalhadores, que subiu 0,7% após dois anos consecutivos de queda. Isso importa pois é uma das formas de o país crescer mais sem tantas pressões inflacionárias.

O aumento da renda do trabalho acima da variação dos preços da comida, porém, não foi suficiente para conter a deterioração da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A inflação de alimentos, segundo especialistas, está na base do mau humor da população com o governo.

Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o aumento dos rendimentos via mercado de trabalho, sobretudo da metade mais pobre, é uma mudança substantiva e sustentou boa parte da elevação da renda total dos brasileiros em 2024, que inclui outras fontes, como Previdência e programas sociais.

"Em 2023, tivemos a PEC da Transição [R$ 145 bilhões a mais para o governo gastar] e o forte aumento do Bolsa Família [para R$ 600, em média]. Foi um crescimento da renda meio na marra. Em 2024, não tivemos este impulso. Mas a prova de fogo é se o vigor do mercado de trabalho se sustenta com o juro alto e a desaceleração econômica", diz Neri.

O economista considera um "grande paradoxo" a renda ter aumentado, até acima dos preços dos alimentos, e a popularidade do governo ter derretido recentemente.

Segundo o Datafolha, o índice de ótimo/bom do governo Lula caiu de 35% em dezembro para 24% em fevereiro. Entre os eleitores mais pobres (com renda até R$ 3.036), a taxa despencou de 44% para 29%.

"A população é muito sensível à inflação de alimentos. Mas talvez também haja mais boas notícias para os ´convertidos` [que apoiam Lula], como o aumento real no salário mínimo, do que para os que não apoiam, como empreendedores, que têm custos maiores com esta política", afirma Neri.

Para Marcos Heckscher, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), tanto o crescimento da renda quanto do PIB (Produto Interno Bruto) foram de "melhor qualidade" em 2024, redundando no ganho de produtividade de 0,7% na economia, segundo seus cálculos.

"A composição do PIB foi melhor que a do ano anterior, sem o impulso do governo que vimos em 2023. Enquanto o agro caiu, consumo das famílias, indústria, serviços e investimentos avançaram. Dentro dos serviços [que representam cerca de dois terços do PIB], houve áreas com aumento da produtividade", afirma.

Heckscher diz que a alta de 7,3% nos investimentos em 2024 pode sustentar ganhos de produtividade daqui para frente. "Isso vai depender do tipo de emprego que será gerado por esses investimentos e quais serão fechados por conta do juro alto."

O economista destaca que o "principal fator objetivo" a explicar a queda na popularidade do governo Lula é a inflação de alimentos —que não deve dar trégua neste ano.

Segundo André Braz, coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, 2025 "deve ser tão cruel" quanto 2024. Na coleta de preços de março, os alimentos mostram aceleração, o que pode levar a uma alta de 4% só no primeiro trimestre.

"Poderia ser pior sem o aumento da renda. Mas os alimentos vêm subindo há tempos acima da inflação geral", diz. Entre janeiro de 2020 e dezembro de 2024, o preço da comida variou 55%, ante 34% no acumulado do IPCA.

Folha Mercado

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Braz afirma que o dólar alto (na faixa de R$ 5,80) continuará pressionando preços de commodities como milho e soja, limitando o espaço para uma desaceleração da inflação.

Para o cientista político e colunista da Folha Marcus André Melo, Lula criou problemas para si ao exibir-se de forma leviana no que se refere à responsabilidade fiscal. "Ele não percebe as consequências disso. Uma delas é dólar [alto] na veia", afirma.

Melo diz que, além da inflação de alimentos, há falta de investimentos na infraestrutura e uma "sensação de governo à deriva". "O PT só sabe governar na abundância e passa a impressão de que está levando o país para o caminho errado", afirma.

"A narrativa de um governo que veio para salvar a democracia se dissipou e o que aparece nas redes sociais é um Lula envelhecido. Os lulistas ´hardcore` seguem com ele, mas os que votaram contra [Jair] Bolsonaro se decepcionaram."

O cientista político Antonio Lavareda também destaca a falta de "elementos estruturados" no governo Lula. "Aos olhos da população, o que fica é uma imagem frágil, que parece não ter propósito", diz.

Lavareda acredita que a inflação de alimentos, apesar do crescimento de 3,4% do PIB no ano passado e do aumento da renda, esteja na base da queda na popularidade de Lula, que tem como bandeira o combate à fome e pobreza.

"E o gatilho parece ter sido as críticas em relação às mudanças [na fiscalização] do Pix em janeiro, amplamente exploradas contra o governo nas redes sociais. Lula agora tenta reagir com mais comunicação, mas ainda falta uma mensagem central", diz.

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