A GAC Motors anunciou no início do mês seus planos para o mercado brasileiro, onde pretende marcar presença a partir do primeiro semestre do ano que vem. Conforme já publicamos, a ideia é lançar sete modelos ao longo de 2025 e, seguindo os passos de outras companhias chinesas, instalar uma fábrica por aqui (o local ainda não foi decidido).
O Motor1.com Brasil já cobriu extensamente os planos da chinesa para o Brasil. Também já falamos de suas associações recentes com fabricantes conhecidos. Para os brasileiros, contudo, a GAC é apenas uma interrogação. Apenas mais uma das tantas siglas chinesas que vêm tentando a sorte em nosso mercado. Como gostamos muito de história automotiva (e quanto mais obscura, melhor…) fomos atrás do passado remoto do grupo.
Foto de: Jason Vogel
Caminhão GZ140 da Hongwei, uma das muitas marcas que deram origem à GAC
Descobrir qualquer pista sobre a origem das indústrias chinesas não é fácil. Há poucos registros e nenhuma propaganda, deixando claro que apenas o futuro interessa a esses fabricantes. Por sorte há pesquisadores como o holandês Leo Breevoort que, nos últimos anos, vem fazendo profundos levantamentos históricos para o site CarNewsChina. É dele a maior parte das informações que publicamos nesta matéria.
O “G” da GAC vem de Guangzhou (também conhecida como Cantão), uma grande cidade portuária no Sudeste da China, a apenas 120 km de Hong Kong.
Com o triunfo da Revolução Chinesa, em 1949, foram estabelecidas oficinas para manter as frotas de ônibus funcionando. Daí a fazer carroceria de ônibus e peças de reposição foi um passo. Em Guangzhou, surgiram diversas indústrias assim. Algumas também produziam jipes ou picapes e havia as que se aventuravam a fabricar sedãs para uso como táxis ou no serviço público (na época ainda não havia carros particulares na China).
Marcas de Guangzhou como a Denway Motors, a Yangcheng Automobile e a Guangke Automobile surgiram assim entre 1949 e a década de 1980. Houve até o caso de uma companhia chamada Tongsheng, que fazia locomotivas a vapor e que mudou de ramo, passando a produzir caminhões.
Foto de: Jason Vogel
Guangzhou Peugeot 505
Peugeot GPA, um fracasso
Ia tudo nesse ritmo quando, em 1984, Pequim fez outra revolução: agora a das joint ventures, para atrair grandes fabricantes de automóveis ao país por meio de parcerias com fábricas estatais. As primeiras a serem formadas foram a Beijing-Jeep e a SAIC-VW. Logo em seguida foi criada a Guangzhou Peugeot Automobile (GPA), para montar picapes Peugeot 504, bem como os sedãs e peruas 505.
Quando os chineses quiseram nacionalizar mais e mais componentes, os franceses resistiram. Os Peugeot da GPA passaram a ser mal vistos, já que suas peças de reposição, importadas, eram muito caras. Ao mesmo tempo, a Volkswagen e a Audi faziam o movimento contrário, aumentando o conteúdo local em suas parcerias chinesas (SAIC e FAW, respectivamente) e baixando custos de manutenção.
Em 1997, com carros encalhados, a GPA fechou as portas. A Peugeot vendeu sua participação pelo preço simbólico de 1 franco francês e voltou suas atenções para uma joint venture que vinha funcionando bem melhor: a Dongfeng Citroën — a 1.000 km dali.
Foto de: Jason Vogel
GAC Honda Fit 2020
Tudo junto
O governo de Guangzhou não se deu por vencido e firmou outra parceria, agora com a Honda. A partir daí, modelos como o Accord e o Odyssey passaram a ser feitos localmente, com enorme sucesso.
Ainda em 1997, todas as fábricas da região foram reunidas em um único conglomerado estatal: o GAG, mais tarde renomeado Guangzhou Automobile Group Co. (GAC), cobrindo toda a produção de carros de passeio, ônibus e caminhões da província de Guangdong. Um grande “G” foi transformado em logotipo.
Além do acordo com a Honda, que resultou em duas fábricas produzindo diferentes gerações do Fit, do City e do HR-V/Vezel simultaneamente (e com variados nomes), foram formadas mais joint ventures para que o grupo GAC fabricasse localmente modelos Toyota, Jeep e Mitsubishi.
Ao mesmo tempo, o grupo GAC ia adquirindo marcas chinesas que ainda resistiam como fabricantes independentes como a Gonow (de SUVs e veículos comerciais) e a Trumpchi (que fazia seus carros a partir de maquinários aposentados do Alfa Romeo 166, com direito ao motor 2.0 Twin Spark).
Foto de: Jason Vogel
GAC Trumpchi _2011–13, o Alfa 166 chinês
Transição energética
O ensaio para a transição energética aconteceu em meados dos anos 2010, quando o grupo GAC criou a marca Aion. Seus primeiros produtos foram versões totalmente elétricas ou híbridas plug-in dos Trumpchi — ou seja, tinham como base os Alfa Romeo 166.
Parcerias com a fábrica de motores japonesa Nidec e com as fornecedoras chinesas de baterias CATL e CALB garantiram o material necessário para a eletrificação. Hoje, a GAC já está desenvolvendo suas próprias baterias de grafeno de carregamento rápido.
Com seus sedãs e crossovers elétricos, a subsidiária Aion não demorou a ultrapassar as vendas da coirmã Trumpchi. Desde 2022, a Aion tem ainda sua própria submarca, a Hyper (recentemente renomeada como Hyptec), que faz o superesportivo SSR (de 1.220 cv) e o sedã executivo GT (com Cx de 0,19 e portas tipo tesoura), bem como o crossover HT (clone do Tesla Model X por menos da metade do preço).
Foto de: Jason Vogel
GAC 3X
Com seu poder, a GAC conseguiu até mesmo produzir carros 100% elétricos com a marca Toyota — um fabricante resistente a esse tipo de tecnologia. Primeiro, a GAC-Toyota converteu “na marra” os Yaris e C-HR. Depois veio a linha bZ (de “bó-Zhi”, “inteligência platina”), com modelos projetados desde o início para serem elétricos, como o crossover GAC-Toyota bZ4X e o SUV bZ3X. O próximo passo já anunciado é o bZ7, um GAC-Toyota com motores elétricos e baterias fornecidos pela… BYD!
Da aquisição de pequenos fabricantes locais à união com marcas internacionais, a GAC é hoje o quinto maior grupo automobilístico na China, tendo produzido 2,5 milhões de carros no ano passado. Desde 2021, a companhia ensaia seu desembarque no Brasil — agora, parece que é para valer.