China lidera exportações com carros a gasolina, por enquanto

há 23 horas 2

Navio chinês com carros

Foto: Reprodução/Global Times/VCG

Quase 80% dos veículos chineses exportados têm só motor a combustão, mas modelos eletrificados estão crescendo

Em 2014 a China garantiu o título de maior exportador de veículos do mundo, ultrapassando Japão e Alemanha ao embarcar 4,7 milhões de automóveis a outros países – volume três vezes maior do que o registrado há apenas três anos e que, segundo recente estudo do Citigroup, em 2030 deverá chegar a 7,3 milhões.

Mas ao contrário do que possa fazer parecer o grande número de modelos híbridos e elétricos produzidos por fabricantes chineses, o grosso é vendido no próprio mercado chinês. São os carros equipados só com motor a gasolina os responsáveis por quase 80% das exportações do país, ao menos por enquanto.

Para além da própria China, de longe o maior mercado de veículos eletrificados, que concentra 67% das vendas globais de híbridos e elétricos, com quase 11 milhões de unidades registradas no ano passado, estes carros encontram barreiras tarifárias e culturais nos países ricos da Europa, os Estados Unidos, o Japão e a Coreia. Assim sobra o resto do mundo para os fabricantes chineses, principalmente mercados que consomem mais carros a combustão porque a eletrificação encontra limites estruturais e de renda para avançar mais rápido.

Mas este resto do mundo é bastante relevante. Ainda que sejam mercados menores a soma desses países na América Latina, África, Oriente Médio e Sudeste Asiático representa vendas de cerca de 20 milhões de veículos/ano.

Além disso são mercados que, ao contrário das nações ricas e da própria China, estão crescendo e são tão ou mais lucrativos, ao passo que têm tarifas de importação menores ou até inexistentes, bem como legislação de emissões e de segurança mais lenientes, facilitando a entrada de carros mais baratos e menos sofisticados.

De dentro para fora

O empoderamento internacional dos fabricantes de veículos da China é recente, reflete mudanças substanciais do mercado interno e oportunidades externas surgidas nos últimos anos.

Primeiro os chineses venceram dentro de casa as grandes corporações estrangeiras que, a partir dos anos 2000, chegaram em massa ao país para produzir em sociedades meio a meio com companhias estatais. Há cerca de dez anos as marcas tradicionais do setor automotivo global, Volkswagen e GM à frente, dominavam 80% das vendas. Hoje o quadro se inverteu: as marcas chinesas têm mais de 60% do mercado chinês de veículos, com BYD na liderança.

BYD Dolphin

Foto: Divulgação/BYD

Esta virada no mercado doméstico não veio sem custos: a capacidade de produção do país, estimada hoje em 45 milhões de veículos/ano, cresceu demais e acima da demanda, que em 2024 ficou estagnada em 31,4 milhões de unidades, ocupando menos de 70% do potencial produtivo das fábricas.

Apesar de ser, por larga margem, o maior mercado de veículos do planeta, a China não consegue mais consumir tudo que produz, principalmente após o crescimento dos volumes dos fabricantes de marcas nacionais. Para compensar ao menos parte da imensa ociosidade, a saída, estimulada por incentivos e diretrizes do governo, foi aumentar as exportações.

Justamente neste momento histórico muitos mercados externos abriram espaços que foram ocupados pelos chineses. A crise da falta de chips eletrônicos, em 2021 e 2022, obrigou os fabricantes ocidentais a concentrar a produção nos veículos mais caros e rentáveis, o que deixou caminho livre para modelos mais baratos vindos da China.

Com este movimento a participação em outros mercados de veículos produzidos na China, que antes da pandemia de covid era quase zero, saltou em 2024 para 8% na África e Oriente Médio, 6% na América do Sul, 4% no Sudeste Asiático e relevantes 5% no conjunto de 28 países da Europa, para os quais a China, no ano passado, foi o sexto maior fornecedor de veículos e o maior deles fora do próprio continente, com cerca de 600 mil automóveis registrados, número acima de fornecedores como Turquia, Japão e Reino Unido.

Outra oportunidade foi a Rússia, que passou a ser o maior mercado externo de carros da China, a grande maioria só com motor a gasolina. Há três anos, depois da eclosão da guerra com a Ucrânia e do consequente êxodo de fabricantes europeus, a participação dos veículos chineses no mercado russo saltou de 9% em 2021 para 61% em 2023.

Mercado externo mais lucrativo

Enquanto a porta parece ter sido definitivamente trancada nos Estados Unidos com imposto de importação de 100% a veículos chineses, as tarifas adotadas pela União Europeia e a própria Rússia – que instituiu uma taxação de reciclagem para proteger o que restou de sua própria indústria – têm poder limitado de barrar fabricantes da China, que dominam toda a cadeia produtiva, têm os custos de produção mais baixos do mundo e encontraram no Exterior margens de lucro de 5 a 10 pontos porcentuais mais altas do que no seu próprio mercado interno.

Um exemplo: o elétrico BYD Dolphin é vendido na China por 99,8 mil yuans, o equivalente a US$ 12,6 mil, enquanto no Reino Unidos este valor é quase três vezes maior, chega a US$ 33 mil, mas lá é um carro considerado barato. Uma análise da consultoria Rhodium Group calcula que a BYD poderia cortar os seus preços em 30% na Europa e, ainda assim, teria o mesmo lucro que obtém na China.

BYD Dolphin

BYD Dolphin (Foto: Divulgação/BYD)

No Brasil a lógica parece ser a mesma, pois mesmo após dois aumentos do imposto de importação sobre elétricos e híbridos, o Dolphin 2025 vendido com reajuste de R$ 10 mil, por R$ 159,8 mil, ou US$ 28 mil pela cotação desta semana, também apresenta margem folgada em relação à que o fabricante tem em seu país de origem.

China eletrifica emergentes

Ainda que seja mais lenta a penetração de carros eletrificados nos mercados em que os fabricantes da China têm seu melhor desempenho, as vendas externas de modelos chineses elétricos e híbridos – e principalmente destes últimos – também estão em franca expansão. Ainda segundo o estudo do Citigroup, a estimativa é que os automóveis eletrificados vão aumentar sua representatividade nas exportações do país dos atuais 20% para 75% até 2030.

Esta presença mais marcante já acontece em alguns países como o Brasil, sexto maior mercado de veículos do mundo, no qual os carros elétricos e híbridos representam 7% das vendas e de cada dez modelos a bateria vendidos nove são provenientes da China.

Outros emergentes importantes também estão avançando na eletrificação, que já representa 6% dos automóveis comercializados na América Latina, 8% no México e 15% na Tailândia. São proporções em linha ou até maiores do que o de algumas nações ricas, como os Estados Unidos, onde 8% dos registros em 2024 foram de automóveis elétricos.

Mesmo na Europa, que está levantando barreiras tarifárias aos carros eletrificados da China, a proporção de modelos elétricos chineses, que era de 4% do mercado em 2021, saltou para 10% em 2024 e, a partir de agora, deverá crescer mais lentamente, não passando de 11%, segundo análise da Schmidt Automotive Research.

Mas é interessante notar que mesmo fabricantes europeus estão importando da China muitos modelos de marcas europeias. Em 2024 os chineses mais vendidos no continente foram da SAIC Motor, com a marca inglesa MG, da Geely, que é dona da sueca Volvo, e do Grupo BMW, que traz aos mercados europeus veículos produzidos em suas fábricas chinesas. Também foram bem vendidos aos europeus carros da BYD e Chery.

Fábricas em todos os cantos

Não são só carros prontos que navios da China trazem a novos mercados externos, mas também muitos partes de veículos desmontados ou semidesmontados. É assim, com linhas de montagem no Exterior, que os chineses tentam driblar as crescentes barreiras tarifárias.

A BYD é uma das pioneiras dessa estratégia: já tem linhas de montagem em operação na Tailândia e no Uzbequistão e está construindo novas na Hungria, Indonésia, Turquia, no México e também no Brasil, em Camaçari, BA, no mesmo terreno em que operou a Ford até 2021. Chery, Changan, GAC, Great Wall, Geely e SAIC também têm fábricas em construção no Exterior – e o Brasil está nos planos da maioria delas.

Linha 2025 - GWM Haval

Foto: Divulgação/GWM

Ainda segundo o estudo do Citigroup, espera-se que até 2030 os fabricantes da China vão produzir 2,5 milhões de veículos fora de seu país de origem, 50% deles na Europa e o restante em países emergentes.

Mas que não se espere muita coisa além de linhas de montagem com partes importadas. Alguns fornecedores de componentes no Brasil relatam que, até o momento, fabricantes chineses que estão chegando ao País pouco ou nada conversaram sobre a nacionalização do fornecimento de peças. Pelos próximos três anos o plano seria só de montar carros com 100% de peças importadas das matrizes.

Isto porque a pressão do governo chinês é para que os fabricantes reduzam investimentos no Exterior, para ocupar a imensa ociosidade das fábricas no país e, também, como medida de proteção à tecnologia chinesa empregada em modelos elétricos e híbridos.

Ainda assim a consultoria Rhodium calcula que se forem concluídos 80% dos investimentos anunciados por montadoras da China na América do Sul, principalmente no Brasil, os carros chineses aumentarão sua penetração e poderão tomar cerca de 15% do mercado local, aumentando as dores de cabeça de fabricantes ocidentais tradicionais que dominaram a região até agora – e que já pedem aos governos proteções tarifárias e investigações antidumping.

Pelo visto os comunistas chineses souberam adotar o mais competitivo capitalismo para quebrar paradigmas capitalistas. Nem os mais ferrenhos liberais leitores de Adam Smith, defensores do livre mercado, conseguem competir com a China sem a sempre tão criticada intervenção do Estado na economia. É um mundo novo e cheio de contradições.

Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData. Foi editor assistente de finanças no jornal Valor Econômico, repórter e redator das revistas Automóvel & Requinte, Quatro Rodas e Náutica.

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