Carro de luxo é picape média no Brasil

há 10 horas 1

Ouvi essa tese do Sergio Habib, presidente da JAC Motors do Brasil, quando ele preparava o lançamento da picape Hunter, alguns meses atrás. “O verdadeiro carro de luxo é picape média no Brasil”. Os números não o desmentem. De acordo com o empresário, o segmento premium corresponde, em média, a 10% do mercado total em qualquer país europeu. 

Em 2024, os emplacamentos de Audi, BMW, Mercedes-Benz, Porsche, Volvo, Land Rover, Lexus, Jaguar, McLaren e Aston Martin atingiram 49.401 unidades, em um mercado total que chegou a 2,48 milhões de automóveis de passeio e comerciais leves. Isso dá menos de 2%. Quais as razões para vender pouco?

Avaliação JAC Hunter HD 4x4 - em movimento, dianteira

Foto de: Motor1.com

JAC Hunter 

Um dos motivos poderia ser o poder aquisitivo dos brasileiros, que é menor em relação aos mercados europeus, norte-americano e asiáticos, o que explicaria (em parte) a menor performance das marcas premium. 

Outro motivo pode estar oculto na sanha de margens de lucro dessas marcas aqui no Brasil. Vou dar um exemplo rápido para endossar a explicação: na Alemanha, um BMW X1 S Drive 20i custa 46 mil euros. Quem quiser comprar um VW Polo TSi por lá vai pagar 26 mil euros. Tudo bem: tem a questão do imposto e tudo o mais. Mas peguei dois carros praticamente iguais lá e aqui, produzidos lá e aqui, inclusive. Descobrindo o coeficiente de relação entre os dois modelos, isso dá 1,77. Em outras palavras: o hatch da VW é vendido em seu país de origem por pouco mais da metade de um X1, certo?

BMW X1 sDrive20i 2025 (Brasil)

Foto de: BMW

BMW X1 sDrive20i 

Quando você recalcula a relação de preços entre os dois veículos aqui no Brasil, o coeficiente salta para 3,1. Note: o Polo é vendido por R$ 111,5 mil e o X1, por R$ 348 mil. Faça sua aposta: a VW está perdendo dinheiro no Polo (sic) ou a BMW está trabalhando com margem? E, gente, vamos lá... Se estiver, não há nada de errado nisso.

Anota a dica: o preço de venda de qualquer produto não tem relação nenhuma com o preço de custo + margem. Mas sim com o valor máximo que seu cliente concorda em pagar. Os primeiros Alfa Romeo 164 importados para o Brasil, em 1990, chegaram por aqui por US$ 130 mil. Parece absurdo hoje pagar quase R$ 800 mil em um 164. Mas as pessoas pagavam e tá tudo bem. 

[Capa] - Alfa Romeo 164, o último rival do BMW Série 5. Por enquanto...

Alfa Romeo 164 chegou custando US$ 130 mil nos anos 1990 

Retornando ao ponto inicial: carro premium vende pouco no Brasil, portanto, devido ao poder aquisitivo do brasileiro e, se você concordou com o raciocínio acima, também pelos valores mais altos que são sugeridos no nosso mercado, certo?

Habib diz que carro de luxo é picape média

Mas aí vem o Habib e argumenta que a diferença ainda está embutida nas vendas de picapes médias, que são modelos que praticamente não existem na Europa. De acordo com ele, o consumidor brasileiro que topa pagar acima de R$ 300 mil em um carro acaba preferindo uma picape média e preterindo as tradicionais marcas de luxo. Parece esdrúxulo. Só que o Habib tem razão!

Considere alguns pontos curiosos: se você somar as vendas das dez marcas que apontei lá no início do texto, que remontam a 49,4 mil unidades, todas somadas elas ainda venderam menos do que a Toyota Hilux (50 mil em 2024). A versão mais vendida da picape líder da Toyota, chamada SRX, custa R$ 330 mil!

Toyota Hilux SRX Plus 2024 - Teste

Toyota Hilux SRX sozinha vende mais que marcas premium somadas 

Essa tese ganha ainda mais ênfase quando você vê as vendas da RAM no Brasil (29,5 mil em 2024). Sozinha, a marca de picapes premium da Stellantis emplacou mais unidades que Audi, BMW e Mercedes (juntas): 29,2 mil. 

Você pode até argumentar que boa parte dessas vendas residiu na Rampage, que não faz parte do segmento de alto luxo por estar abaixo dos R$ 300 mil. OK. Tire as vendas da picape intermediária e, mesmo assim, restarão 5,8 mil das “grandalhonas”. Em um ranking do segmento premium, a RAM (sem Rampage) só ficaria atrás de BMW (15.668 unidades), Volvo (8.623), Mercedes-Benz (8.003) e Porsche (6.245). Brasileiro gosta de picape. E europeu praticamente não tem esse segmento.

RAM 2500 Rodeo Edition

Foto de: Ram

RAM grandalhonas tiveram mais vendas que muita marca premium, mesmo precisando de CNH C

Quando você apura as vendas de todas as picapes médias em 2024, o volume foi de 143,7 mil, o que representa cerca de 6% do mercado global. Lembrando que a esmagadora maioria das versões dessas picapes está acima de R$ 300 mil, a gente pode “acomodar” o raciocínio e afirmar que elas pertencem à mesma faixa de preços dos modelos premium. 

E é fato. Para nós, que residimos em grandes metrópoles, parece um grande absurdo saber que tem tanta gente que paga R$ 320 mil ou R$ 340 mil em uma caminhonete... quando poderia adquirir o tal do X1 por esse preço. Só para constar: tivesse essa grana para dar em um carro zero km, eu pagaria R$ 333 mil em um BMW 320i.

BMW 320i MSport 2025

Foto de: BMW

BMW 320i MSport 2025, a escolha de Edu Pincigher na faixa de picapes médias 

Lá no interiorzão, porém, onde a renda do agronegócio impõe hábitos de compra e uso de veículos completamente diferentes, existe a cultura do chassi relacionada à robustez e à durabilidade: se não tiver longarinas, eixo rígido e feixe de molas (semielípticas), não vai aguentar o tranco. Daí o sucesso desmedido dessas picapes médias no campo e da própria RAM. Eles acreditam nisso. E talvez estejam certos. Basta aventurar-se nos rincões do país para encher os olhos com picapes e quase nunca avistar qualquer modelo de luxo.

Outro exemplo: os três suves de porte grande mais vendidos do país são justamente utilitários que adotam essa tecnologia arcaica, porém, confiável para o consumidor do campo: Toyota SW4, Mitsubishi Pajero Sport e Chevrolet Trailblazer.

Avaliação Toyota SW4 Diamond 2024

Toyota SW4 

Mitsubishi Pajero Sport Legend 2025

Foto de: Mitsubishi

Mitsubishi Pajero Sport 

Chevrolet Trailblazer High Country 2025 (Jason Vogel)

Foto de: Motor1.com

Chevrolet Trailblazer High Country 2025 (por Jason Vogel)

Juntos, esses três modelos são donos de 0,9% das vendas de todo o mercado brasileiro. Só o SW4, que custa a partir de R$ 384 mil, emplacou 17,8 mil unidades em 2024 – quatro vezes mais do que todos os modelos da Land Rover no mesmo período. Somando-se os 2% do nicho de alto luxo propriamente dito aos 6% das picapes, chegamos a 8%. Mais 1% dos suves de longarinas... e já estamos muito próximos aos 10% da fala do Habib.

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