“Quando eu penso no futuro/Não esqueço o meu passado…”, canta Paulinho da Viola no samba “A dança da solidão”. E, a dois anos de completar cem anos de existência, a Volvo mostra que ainda respeita sua história, apesar de hoje estar em mãos chinesas (grupo Geely) e focada na eletrificação de sua linha.
Na última semana, a marca sueca lançou em São Paulo o seu mais recente modelo 100% elétrico, o EX90, bem como o facelift do híbrido plug-in XC90. O evento de apresentação foi cercado de referências ao passado, como forma de mostrar que a companhia sempre apostou na vanguarda tecnológica.
Com a ajuda do Volvo Auto Clube Brasil, a empresa reuniu uma bela amostra de seus automóveis mais emblemáticos. A surpresa começou logo na coletiva de imprensa, onde havia uma raríssima station wagon PV-445 Carbrasa, encarroçada no Rio de Janeiro na década de 50. À noite, em um coquetel para jornalistas e concessionários, a Volvo exibiu mais dez carros antigos (ou de um passado recente). Temos aqui um belo gancho para compartilhar essa história com nossos leitores.

Foto de: Volvo
Clássicos Volvo na Bienal
A Volvo nasceu oficialmente em 14 de abril de 1927, em Gotemburgo, na Suécia, fundada pelo executivo de vendas Assar Gabrielsson e pelo engenheiro automotivo Gustaf Larson. Inicialmente, era uma subsidiária da fabricante de rolamentos SKF, mas com um objetivo claro: construir automóveis capazes de enfrentar as estradas ruins e o clima severo do país escandinavo.
O nome Volvo, que em latim significa “eu giro” ou "eu rodo", havia sido registrado em 1915 pela SKF para uma linha de rolamentos, mas acabou sendo aproveitado na nova empreitada automotiva.
O primeiro carro da marca foi o ÖV 4, equipado com motor de quatro cilindros e apelidado de Jakob. Em seu ano de estreia, foram produzidas apenas 280 unidades. Já em 1928, a Volvo diversificou sua atuação com o lançamento do primeiro caminhão da marca, o Série 1, que fez sucesso imediato.
Em 1930, a marca sueca vendeu 639 carros e já exportava caminhões para outros países da Europa. A década de 1930 também marcou a entrada da companhia no segmento de ônibus, com o lançamento do modelo B1 em 1934.
A projeção internacional chegou à longínqua América do Sul, com a inauguração, em 22 de março de 1936, da Volvo do Brasil Ltda — inicialmente voltada apenas para a importação de chassis para caminhões e ônibus, seja com motores a gasolina ou a diesel (dizia-se “óleo cru”). A sede da empresa ficava na Rua Frei Caneca, no Centro do Rio de Janeiro, então Capital Federal.
Apesar da expansão em diversas áreas, especialmente no segmento dos veículos pesados, além de motores para barcos e aviões, os carros de passeio da Volvo continuaram pouco conhecidos fora da Suécia. Somente após o fim da Segunda Guerra Mundial é que os automóveis da marca conquistaram reconhecimento no exterior.
Vejam alguns dos clássicos que estavam no evento de apresentação dos novos EX90 e XC90:
Enquanto a Segunda Guerra Mundial devastava a Europa, a Suécia manteve-se neutra. Essa posição permitiu à Volvo desenvolver um novo modelo durante o conflito e lançá-lo em setembro de 1944. Assim surgiu o PV444, um marco na história da empresa.

Foto de: Volvo
Primeiro carro da Volvo com carroceria monobloco, trazia um visual arredondado inspirado no alemão Hanomag 1.3, modelo 1939 (e com algo dos Ford americanos da época). Estreava também um motor 1.4 de quatro cilindros com 40 cv (desde 1929, os automóveis da marca usavam motores de seis cilindros). O câmbio era de três marchas, com uma longa alavanca de mudanças.
No Brasil do pós-guerra, o PV444 era meio que um automóvel de nicho. Enquanto a imensa maioria dos motoristas tinha modelos americanos, ingleses ou franceses, comprar um Volvo sueco era coisa para um público “diferenciado”. Mesmo assim, a Volvo do Brasil precisava organizar filas de interessados, como se vê por um anúncio publicado em 1949. O carro fez fama como modelo simples, robusto e relativamente barato.
Em 1958 veio a evolução: o PV544. Por fora parecia quase o mesmo carro, mas ganhou para-brisa inteiriço curvo, lanternas traseiras maiores e um painel com velocímetro de escala horizontal. O câmbio manual passou a ter quatro marchas. Tudo para manter o modelo atualizado sem mexer demais no que já dava certo.
Mesmo com um projeto antigo, o PV544 seguiu firme até 1965. Ainda teve fôlego para vencer o Rali Safari da África Oriental em 1965. Era um carro simples, mas duro na queda – e ajudou a construir a fama da Volvo em segurança e confiabilidade.
A dupla PV444/PV544 teve um total de 440 mil carros produzidos e deixou um legado forte. Foram os primeiros Volvo a realmente cair no gosto do público e abriram caminho para o que a marca viria a ser nas décadas seguintes.

Volvo PV-445 Duett sueca
Primeira perua produzida em série pela Volvo, a PV445 Duett já mostrava a vocação da marca sueca para esse tipo de veículo. Seu nome “Duett” não veio à toa: a proposta era ser dois carros em um — prática para o trabalho durante a semana e confortável o bastante para levar a família no fim de semana. Havia três versões: station wagon, furgão fechado e um chassi apenas com “clip dianteiro” (para-lamas, grade e capô), que podia receber uma infinidade de carrocerias — desde uma picape para trabalho pesado a um elegante conversível.
Apesar da frente igual à dos PV444 da época, a PV445 Duett era bem diferente por baixo. Enquanto os carros de passeio tinham estrutura monobloco, a perua vinha com chassi de longarinas e feixes de mola na traseira.
Em 1960, a PV445 Duett passou por uma boa reforma e passou a se chamar P210 Duett. Entre outras melhorias visuais e técnicas, trazia para-brisa curvo em peça única. Seguiu firme na linha de produção até 1969, totalizando mais de 101 mil unidades fabricadas.

Foto de: Volvo
Carbrasa
A Carbrasa (Carroçarias Brasileiras S.A.) foi fundada em 1947, no Rio de Janeiro, pelos empresários Mario Slerca e Mario Carlo Pareto — que já eram sócios majoritários da Volvo do Brasil S/A. Não demorou para que a Carbrasa inaugurasse suas novas instalações na Avenida das Bandeiras (atual Avenida Brasil), no bairro carioca de Parada de Lucas. O objetivo principal era fazer carrocerias de ônibus para vestir os chassis da marca sueca.
A partir de 1953, o governo brasileiro impôs restrições cada vez maiores à importação de carros completos como forma de estimular o surgimento da indústria automobilística nacional. A solução encontrada pela Volvo do Brasil foi a adaptação do modelo PV445, com chassi separado da carroceria, o que permitiu a produção local de veículos. https://motor1.uol.com.br/features/544360/volvo-carbrasa-perua-nacional-riodejaneiro/
Sobre o chassi importado, a Carbrasa fez uma carroceria desenhada no Brasil — obra do alemão Joachim Küsters (um craque no desenho de barcos e automóveis) e do italiano Giuseppe Siccardi (um dos diretores técnicos da empresa). Era uma station wagon de duas portas com frente arredondada e uma traseira de linhas retas, similar à das peruas Dodge da época. Visualmente, o modelo brasileiro era muito mais moderno que a PV445 Duett original, fabricada na Suécia.
Estima-se que 320 unidades dessa pioneira station wagon nacional tenham sido fabricadas no Brasil entre 1956 e 1958. Sabemos da existência de apenas três sobreviventes — sendo que apenas uma já está restaurada.

Foto de: Volvo
Amazon
Batizado originalmente como "Amason", teve o nome alterado para Amazon no mercado sueco, enquanto internacionalmente ficou conhecido como Série 120. Modelo de médio porte ficou conhecido pela robustez e pelos avanços pioneiros em segurança.
Ao longo de 15 anos em produção (de 1956 e 1970), o Amazon foi oferecido em três variações de carroceria: sedã de duas ou quatro portas e station wagon de quatro portas.
Desenhado pelo norueguês Jan Wilsgaard, o modelo trazia influências do design norte-americano dos anos 1950. Foi também o primeiro carro a oferecer cintos de segurança dianteiros de série, em 1959 (até então, as marcas Nash e Ford já haviam oferecido cintos, mas como itens opcionais). Mais tarde, o Amazon adotou o cinto de três pontos como item padrão — um marco que ajudou a consolidar a fama da Volvo como referência em segurança automotiva.
Na parte mecânica, o Amazon sempre teve motores de quatro cilindros. Começou com os Volvo B16, de 1.583 cm³, com câmbio manual de três marchas, mas evoluiu para os motores B18 (1.778 cm³) e B20 (1.986 cm³), mais potentes, além de opções de câmbio automático. A prática versão perua surgiu em 1962, com tampa do porta-malas bipartida. A linha Amazon deixou de ser produzida em 1970, após uma produção total de 668 mil unidades.

Foto de: Volvo
Volvo 244
Seu visual “quadradão” marcou a Volvo por muitos anos, sendo um dos mais representativos da marca. A Série 200 (composta pelos modelos 240 e 260) foi uma linha de carros de porte médio, com mais de 2,8 milhões de unidades produzidas entre 1974 e 1993.
Com desenho de Jan Wilsgaard, esses automóveis tinham muitos elementos do carro-conceito VESC ESV (1972), voltado para a segurança dos ocupantes. Isso incluía estruturas deformáveis e célula central de sobrevivência no monobloco.
Havia diferentes configurações de carroceria (sedã, perua e até limusine) e uma grande variedade de motores. Entre as opções, estavam os quatro cilindros da própria Volvo, os V6 PRV desenvolvidos em parceria com Peugeot e Renault, além de versões a diesel fornecidas pela Volkswagen. A série passou por atualizações constantes, incluindo a adoção da sonda lambda, em 1976, que ajudou a baixar o consumo e reduzir as emissões.

Foto de: Volvo
Quando as importações foram reabertas no Brasil, em 1990, o primeiro modelo da marca a chegar por aqui foi o sedã 960, lançado na Europa naquele mesmo ano. Sua estreia entre nós aconteceu na 16ª edição do Salão de São Paulo. A importação ficava a cargo da Volvo Car do Brasil, que, a essa época, ainda tinha alguns laços com a divisão de caminhões.
Foram os últimos sedãs e wagons clássicos da Volvo com motor longitudinal e tração traseira.
Eram modelos executivos de alto preço e grande porte (2,77 m de entre-eixos) feitos para brigar com as marcas premium alemãs. Entre as opções mecânicas do Volvo 960, havia um motor seis-em-linha com bloco de alumínio, 24 válvulas e 204 cv.
O pacote de itens de segurança incluía airbags laterais, barras de proteção lateral nas portas, além de uma cadeirinha infantil embutida no encosto do banco traseiro. Em 1995, o 960 chegava aqui por R$ 79 mil — o dobro do preço do nacional Chevrolet Omega CD 4.1. Daí que o sedã sueco vinha bem completo, com forrações de couro bege, detalhes de nogueira envernizada no painel e nas portas, além de um toca-fitas. O ar-condicionado já permitia regulagem grau a grau, enquanto o banco do motorista tinha ajustes elétricos.

Foto de: Volvo
850 T-5R
Lançada em 1991, a série 850 — desenhada (adivinhem!) por Jan Wilsgaard — ainda conservava as tradicionais linhas retas da Volvo, mas trazia muitas novidades técnicas para a marca, a começar pelo motor instalado na transversal (5 cilindros em linha) e a tração dianteira (ou integral). Em relação à segurança, a inovação eram as barras laterais.
A linha incluía sedãs e station wagons. Em 1995 foram lançadas as versões T-5R, de alto desempenho. Seu motor turbo rendia 250 cv e permitia alcançar 244 km/h. Esses esportivos tinham aerodinâmica aprimorada e airbags laterais.
Preparadas por Tom Walkinshaw, as peruas 850 R “voadoras” ficaram famosas por disputar os campeonatos britânico e australiano de turismo.

Foto de: Volvo
S40
Depois do motor transversal, outra revolução: os Volvo deixavam de parecer caixotes! Lançada em 1995, a primeira geração do S40 marcou também a entrada da marca sueca no segmento de sedãs compactos executivos. Suas linhas suaves eram obra do britânico Peter Horbury, que assumira o departamento de design da marca no lugar de Jan Wilsgaard.
Desenvolvido em parceria com a Mitsubishi, o S40 compartilhava plataforma com o Mitsubishi Carisma e foi produzido na fábrica da NedCar em Born, na Holanda. Inicialmente, o modelo seria chamado de S4, mas a Audi já detinha os direitos sobre esse nome, levando à adoção de S40 para o sedã e V40 para a versão perua.
O modelo chegou ao Brasil no finalzinho de 1996, por preços que iam de US$ 51.400 (sedã 1.8 manual) a US$ 57.750 (a V40 1.8 automática). Era um degrau mais em conta que os Audi A4, Mercedes Série C e BMW Série 3.
Com motores de 1,6 a 2,0 litros, incluindo versões turbo e turbodiesel, o S40 oferecia desempenho e conforto comparáveis aos modelos maiores da Volvo, como o 850. Em 2000, o modelo passou por uma atualização (Fase II), recebendo melhorias técnicas e de segurança, além de um leve facelift.

Foto de: Volvo
C70 Cabrio
Apresentado no Salão de Paris de 1996, o modelo foi oferecido nas carrocerias cupê (de 1996 a 2002) e conversível com capota de lona (de 1997 a 2005), ambas produzidas em Uddevalla, na Suécia.
Com design exterior assinado por Peter Horbury e Ian Callum, o C70 trazia a mesma plataforma Volvo P80 dos modelos 850 e S70 e V70. Utilizava motores de cinco cilindros turbo a gasolina, com potência variando de 180 a 240 cv, sempre com tração dianteira. Parte do projeto era da Tom Walkinshaw Racing (TWR).
Entre os destaques estavam os recursos de segurança como proteção contra impactos laterais (SIPS), sistema antichicote (WHIPS) e proteção automática contra capotamentos (ROPS) na versão conversível. Ao longo de sua trajetória, foram produzidas cerca de 76.800 unidades: 27.014 cupês e 49.795 conversíveis.

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XC90 V8
Em 1999, a Volvo foi comprada pela Ford Motor Company, passando a ser parte do Premier Automotive Group (PAG), divisão que também incluía a Lincoln, a Aston Martin, a Jaguar e a Land Rover. Um dos projetos iniciais desta fase foi o Volvo XC90. Apresentado no Salão de Detroit de 2002, o modelo marcou a estreia da fabricante sueca no segmento dos utilitários esportivos.
Esse primeiro XC90 era construído sobre a plataforma P2 — a mesma do sedã S80, e desenhada antes de a Volvo ser adquirida pela Ford. O utilitário trazia recursos avançados como o controle de estabilidade contra capotamento, sistema de proteção contra impactos laterais e estrutura de teto super reforçada.
No lançamento, havia duas opções de motor: um 2.5 turbo de cinco cilindros em linha e um 2.9 biturbo de seis cilindros em linha, ambos com câmbio automático. O utilitário tinha ainda versões com tração dianteira ou integral. Em 2005, a linha ganhou um V8 de 4,4 litros e 315 cv desenvolvido pela Yamaha! É o caso do exemplar que fotografamos na festa.
A produção do XC90 de primeira geração foi encerrada na Suécia em 2014, mas o modelo ganhou dois anos de sobrevida na China, com o nome Volvo XC Classic.