"Eu fui uma adolescente que usava casaco de moletom no calor", conto para minha amiga quando caminhamos para o trabalho depois do almoço em um restaurante da região. Ela me olha, sorri e confessa: "Eu também".
A conversa não foi aleatória: havíamos acabado de encontrar com uma menina adolescente vestindo casaco em um dia que a cidade de São Paulo atingiu 35°C. Nós, enquanto sociedade, somos muito rápidos em julgar hábitos dos mais jovens, especialmente se forem mulheres.
O que eu não disse a minha amiga, mas ela entendeu, é que eu sempre tive problemas em ser percebida. O casaco de moletom era uma espécie de escudo entre o meu corpo e os olhares alheios. Já contei em outro texto aqui que apesar de ser magra preciso travar uma batalha mental diária contra a distorção de imagem, que me faz enxergar meu próprio corpo fora de proporção, muito maior do que ele é na realidade.
A distorção faz com que eu me escondesse em roupas cada vez mais largas, pra que nem eu e nem ninguém possa delimitar os limites da minha silhueta apenas olhando a minha figura.
Essa tarefa é mais fácil durante os dias mais frios. Camadas de roupa e casacos pesados são bons esconderijos. Ninguém precisa saber onde meu corpo termina e onde as roupas começam. O problema maior é mesmo no calor.
Com os termômetros atingindo temperaturas muito além do normal, a saída é tirar as roupas de verão do armário. As vestimentas mais adequadas, entretanto, usam muito menos pano do que as confortáveis roupas de inverno. De repente, me vejo obrigada a ver meus braços, minha coxa, meu quadril, meus ombros.
Tem dias mais fáceis. Aprendi que fibras naturais —como linho e algodão— são mais adequados para o colapso climático por não serem feitos de plástico —como são os poliésteres— e permitirem a transpiração que refresca o corpo. Assim, consigo buscar cortes em que eu consiga me esconder melhor sem sofrer tanto.
Mas tem dias em que parece que meu corpo ocupa o espaço de um mundo inteiro e ir ao trabalho me dá o mesmo nó no estômago do que ir à praia. Exposta para julgamento. Tento me lembrar que as pessoas não estão olhando pra mim o tempo todo e que meu julgamento sobre o que é grande ou não em mim não é o mais confiável possível.
Então me lembro da Joana adolescente, que saía da aula vestindo o casaco de moletom do uniforme, mesmo que estivesse calor. Eu não mudei tanto assim. Escondendo o meu corpo eu me protejo do julgamento —alheio e próprio—, me protejo da objetificação.
Falei sobre isso na minha sessão de terapia e a psicóloga identificou um padrão: parece que eu estou sempre me colocando em estado de desconforto para deixar outras pessoas confortáveis, mesmo que essas "outras pessoas" pouco se importem. Me cubro pra me proteger, pra poupar essas "outras pessoas" de ver e comentar meu corpo. Mesmo que isso signifique passar (muito) calor para me esconder de quem sequer está me olhando. Me cubro pra me proteger, pra poupar essas "outras pessoas" de ver e comentar meu corpo. Mesmo que isso signifique passar (muito) calor para me esconder de quem sequer está me olhando.
Penso na menina adolescente que vimos e se ela se sente da mesma maneira. Minha cabeça fica nela porque hoje, adulta, sei do que aquela camada de roupa a mais pode se tratar. Queria que ela soubesse que não está sozinha. Queria que ela se sentisse confortável em existir na própria pele a ponto de não mais sentir o ímpeto de se esconder.
Identificou algum sintoma ou transtorno apontados nos textos? Procure apoio psicológico. Quer conversar com a gente? Escreva para [email protected]