SpaceX domina mercado de foguetes ao criar sua própria demanda

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Em 2024, foram lançadas à órbita 2.802 espaçonaves, entre satélites e sondas, distribuídos em 259 lançamentos de foguetes. A empresa SpaceX foi responsável por 152 desses voos e detém pouco menos de 2.000 dos satélites lançados. As estatísticas refletem um domínio crescente da companhia de Elon Musk, que hoje lança mais cargas úteis ao espaço que todo o resto do mundo combinado.

Olhando para esses números, nem parece que meros dez anos atrás a SpaceX estava movendo uma ação contra a Força Aérea dos Estados Unidos pelo direito de meramente competir na concorrência para o lançamento de satélites militares. Qual é o segredo da ascensão meteórica?

Duas ações, ambas apostas arriscadas e planejadas com antecedência, foram fundamentais para criar esse movimento disruptivo no mercado de lançamentos espaciais. A primeira, e mais óbvia, foi o advento da recuperação e reutilização dos primeiros estágios dos lançadores.

O Falcon 9, principal foguete em operação pela companhia, cujo primeiro lançamento aconteceu em 2010, não nasceu reutilizável. Muitos de seus primeiros voos foram realizados no mesmo regime de todos os outros lançadores do mundo, de forma descartável. Contudo, a SpaceX sempre teve como objetivo torná-lo ao menos parcialmente reutilizável.

Para isso, várias tecnologias jamais vistas antes tiveram de ser criadas e demonstradas, como o controle do veículo por meio de forças aerodinâmicas na reentrada e a chamada retropropulsão supersônica –a capacidade de acender os motores de um foguete na direção contrária de seu movimento, numa queda cuja velocidade supera a do som.

A primeira manobra desse tipo, demonstrando sua viabilidade, foi realizada pela SpaceX em setembro de 2013. O primeiro pouso controlado e bem-sucedido de um primeiro estágio do Falcon 9 viria apenas dois anos depois, em dezembro de 2015. E a tecnologia só foi tratada como prática, e não meramente experimental, em janeiro de 2017.

A partir daquele ponto, a empresa detinha uma tecnologia capaz de reduzir drasticamente o custo dos lançamentos espaciais. Afinal de contas, num foguete típico de dois estágios como o Falcon 9, 90% do custo de fabricação está no primeiro estágio. Recuperando-o e demonstrando a viabilidade do reúso constante, o preço de um voo poderia em princípio cair a um décimo do que antes custava.

Detalhe: o resto da concorrência, apoiado em antigas estratégias de desenvolvimento e operação de lançadores, em regime descartável, já era mais caro que o Falcon 9 descartável, nem se fale de sua versão reutilizável. Enquanto empresas como a americana ULA (United Launch Alliance) e a europeia Arianespace seguiam com os mesmos preços de sempre, a SpaceX poderia batê-las concedendo apenas um módico desconto, se tanto, e aumentando de forma considerável a margem de lucro.

Ainda assim, isso não é o suficiente para explicar a discrepância absurda entre a frequência de lançamentos da SpaceX e a de suas concorrentes. A grande sacada da empresa foi enxergar que a reutilização e a redução dos custos permitia aplicações até então economicamente proibitivas.

CRIANDO A PRÓPRIA DEMANDA

A ideia de constelações de satélites não é nova, mas sempre foi controversa, na razão inversa do número de espaçonaves necessárias para compô-la. Uma coisa é ter uma modesta frota de GPS, que opera com 24 satélites, ou três equipamentos em uma órbita geoestacionária, que permitem fornecer telecomunicações (inclusive internet) no mundo inteiro. Outra é propor uma frota gigantesca para operar em órbita baixa.

Essa segunda opção começou a se tornar viável com a miniaturização e fabricação em massa de componentes para espaçonaves, movimento dos chamados micro e nanossatélites, que ganhou impulso na última década. Ainda assim, ter uma frota com milhares de satélites de uma só empresa parecia impossível –até a redução do custo do acesso ao espaço pela reutilização dos foguetes.

Percebendo isso, a SpaceX saltou na frente lançando o projeto Starlink. A ideia é substituir o que seriam no mínimo os três satélites geoestacionários localizados em órbitas distantes por dezenas de milhares de satélites menores, mais baratos e instalados em órbita mais baixa. Quanto mais baixa é a órbita, mais veloz é o satélite, o que implica que, para ter um sempre sobrevoando nossa cabeça a qualquer tempo, você precisa lançar muitos deles. Já um único geoestacionário, pelo próprio nome, orbita na velocidade de rotação da Terra e fica permanentemente sobre a região designada.

Para tornar verdadeiramente racional a opção pelos foguetes reutilizáveis, a SpaceX teve de criar sua própria demanda por lançamentos. E nisso o Starlink foi essencial. A essa altura, já foram lançados cerca de 7.000 satélites, que a empresa consegue instalar em órbita a preço de custo, e com isso fornecer internet rápida e de baixa latência (tempo de resposta curto, dada a pequena distância entre os usuários e os satélites em órbita baixa) em qualquer ponto do globo.

Com o negócio do Starlink, o custo dos lançamentos é compensado pela renda obtida com os clientes do serviço. Não totalmente, é verdade. No atual regime, ele chegou a atingir saldo positivo –o que arrecada por ano é ligeiramente superior ao que gasta–, mas claro que tem todo um passivo de pesquisa e desenvolvimento e dos primeiros lançamentos, antes de a constelação estar em operação comercial.

De toda forma, com o projeto, a SpaceX criou sua própria demanda e estabeleceu um ciclo virtuoso. Quanto mais satélites ela lança por ano, mais vezes ela está reutilizando os foguetes Falcon 9 anualmente (com essencialmente a mesma força de trabalho), o que derruba mais o preço dos lançamentos, tornando mais viável a manutenção do sistema Starlink e barateando ainda mais os voos, para a própria SpaceX e para clientes externos.

Não fossem as questões de soberania e segurança nacional, tamanha a superioridade nas operações, a essa altura a empresa já teria conquistado um monopólio. Mesmo sem se caracterizar assim, sua pujança já supera em muito o resto do mundo reunido, e quem quiser voar pelo menor preço, sem outros critérios na balança, hoje é obrigado a escolher a SpaceX.

O EQUILÍBRIO DO PODER

Isso é muito poder em mãos de uma única empresa, e o comportamento errático, para ser gentil, de Musk não ajuda em nada a produzir alguma dose de tranquilidade. O lado bom é que a revolução está feita, os custos de acesso ao espaço nunca voltarão aos patamares proibitivos que um dia tiveram, e agora o que pode dar mais tranquilidade ao mundo é a chegada da concorrência.

Vai acontecer, e não deve demorar tanto. A Blue Origin, de Jeff Bezos, também desenvolveu seu novo foguete New Glenn para ser reutilizável. O primeiro voo ocorreu em janeiro deste ano, e é questão de tempo até que ele atinja esses objetivos. A Amazon, outra empresa de Bezos, tem um projeto similar ao Starlink, chamado Kuiper, e o New Glenn dará suporte a ele, como o Falcon 9 fez pelo Starlink.

Os chineses têm várias startups também focadas em reutilização de foguetes, bem como iniciativas puramente estatais de seu programa espacial. E eles também têm projetos para megaconstelações de satélites.

Europeus e russos parecem letárgicos em reagir, na falsa esperança de que não haverá demanda para tantos voos e tudo poderá se acomodar e voltar a ser como antes. Não vai acontecer. E a SpaceX, ainda três passos à frente da concorrência, já desenvolve seu veículo Starship, que promete ser totalmente reutilizável, com os dois estágios, mais barato e com mais capacidade de carga do que tudo que já foi feito antes.

Se a hegemonia da empresa de Musk ainda vai durar muito, e por quanto tempo, é algo a se discutir. O fato é que a humanidade e o espaço nunca mais serão os mesmos depois que foguetes começam a pousar de volta em suas plataformas.

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