O deserto do Saara é um dos lugares mais áridos e desolados da Terra, estendendo-se por uma faixa no norte da África que abrange partes de 11 países e cobre uma área comparável à da China ou à dos Estados Unidos. Mas nem sempre foi tão inóspito.
Durante um período de cerca de 14,5 mil a 5.000 anos atrás, era uma exuberante savana verde rica em corpos d'água e repleta de vida. E, de acordo com o DNA obtido dos restos de dois indivíduos que viveram aproximadamente 7.000 anos atrás no que hoje é a Líbia, era lar de uma linhagem misteriosa de pessoas isoladas do restante do mundo.
Pesquisadores analisaram os primeiros genomas de pessoas que viveram no que é chamado de Saara verde. Eles obtiveram DNA dos ossos de duas mulheres enterradas em um abrigo de rochas chamado Takarkori, no remoto sudoeste da Líbia. Elas estavam naturalmente mumificadas e representam os restos humanos mumificados mais antigos conhecidos.
"Naquele momento, Takarkori era uma savana exuberante com um lago próximo, ao contrário da paisagem desértica árida de hoje", disse o pesquisador Johannes Krause, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, um dos autores do estudo publicado na última quarta-feira (2) na revista Nature.
Os genomas revelam que os indivíduos de Takarkori faziam parte de uma linhagem humana distinta e previamente não identificada que viveu separada das populações subsaarianas e eurasiáticas por milhares de anos.
"O povo de Takarkori não mostra influência genética significativa das populações subsaarianas ao sul ou dos grupos do Oriente Próximo e da Europa pré-histórica ao norte. Isso sugere que eles permaneceram geneticamente isolados, apesar de criarem animais —uma inovação cultural que teve origem fora da África", afirmou Krause.
Evidências arqueológicas indicam que essas pessoas eram pastores, criando animais domesticados. Artefatos encontrados no local incluem ferramentas feitas de pedra, madeira e ossos de animais, cerâmica, cestos, tecidos e estatuetas.
Os dois indivíduos de Takarkori teriam ligação com uma linhagem do norte da África que se separou das populações subsaarianas cerca de 50 mil anos atrás. Isso coincide aproximadamente com o momento em que outras linhagens humanas se espalharam além do continente e chegaram ao Oriente Médio, Europa e Ásia, tornando-se os ancestrais de todas as pessoas fora da África.
"A linhagem de Takarkori provavelmente representa um remanescente da diversidade genética presente no norte da África entre 50 mil e 20 mil anos atrás", disse Krause.
"De 20 mil anos atrás em diante, evidências genéticas mostram uma influxo de grupos do Mediterrâneo Oriental, seguido por migrações da Ibéria e Sicília por volta de 8.000 anos atrás. No entanto, por razões ainda desconhecidas, a linhagem Takarkori persistiu em isolamento por muito mais tempo do que o esperado. Como o Saara só se tornou habitável cerca de 15 mil anos atrás, sua terra natal original permanece incerta."
A linhagem permaneceu isolada ao longo da maior parte de sua existência antes de o Saara novamente se tornar inabitável. No final de um estágio de clima mais quente e úmido chamado Período Úmido Africano, o Saara virou o maior deserto quente do mundo. Isso foi por volta de 3.000 a.C.
Membros de nossa espécie Homo sapiens que se espalharam além da África encontraram e se misturaram com populações de neandertais já presentes em partes da Eurásia, deixando um legado genético duradouro nas populações não africanas de hoje. Mas o povo do Saara verde carregava apenas pequenas quantidades de DNA de neandertal, indicando que tiveram pouco contato com populações externas.
Embora a própria população de Takarkori tenha desaparecido cerca de 5.000 anos atrás, quando o Período Úmido Africano terminou e o deserto retornou, vestígios de sua ancestralidade persistem entre vários grupos do norte da África hoje, segundo Krause. "Seu legado genético oferece uma nova perspectiva sobre a história profunda da região."