Proposta para flexibilizar gastos de empresas estatais mira alívio na Telebrás

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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso Nacional uma proposta de flexibilização nos gastos de empresas estatais dependentes do Tesouro Nacional, numa tentativa de proporcionar alívio à Telebrás, companhia do setor de telecomunicações.

A companhia, que passou a depender de recursos da União em 2020, conseguiu melhorar seu caixa, mas tem esbarrado em limites orçamentários para honrar suas despesas e enfrenta dificuldades para pagar fornecedores em dia. No fim do ano passado, a empresa empurrou R$ 74,4 milhões em gastos para o início de 2024, em operação que está na mira de órgãos de controle e pode ser considerada irregular.

O projeto cria uma alternativa para que essas companhias possam buscar receitas no mercado, via comercialização de produtos ou serviços, e usar o dinheiro extra sem esbarrar nos limites orçamentários aos quais hoje elas estão submetidas.

É uma espécie de modelo híbrido. A companhia continua recebendo dinheiro do Tesouro para pagar salários e despesas de custeio (necessidade que faz dela uma estatal dependente), mas pode usar as receitas próprias para ampliar investimentos fora do Orçamento.

A medida foi recebida com desconfiança no mercado financeiro, diante do temor de que a mudança sirva de pretexto para o Executivo excluir despesas do Orçamento e ampliar seu espaço fiscal. O governo nega que haja esse efeito e afirma que os atuais repasses do Tesouro (na casa dos R$ 23,9 bilhões) continuarão na peça orçamentária, inclusive sujeitos ao limite do arcabouço fiscal.

De imediato, o impacto se daria nas receitas, que cairiam à medida que o dinheiro passe a ser incorporado ao caixa da empresa. Hoje, essa verba vai para o caixa da União.

Técnicos ouvidos reservadamente pela Folha apontam que os problemas do projeto são de outra ordem. A proposta concede às empresas o melhor de dois mundos, mas não cobra nenhum tipo de contrapartida, como limitação a aumentos salariais de empregados ou administradores, criação de cargos, entre outros. A única imposição é manter as remunerações sujeitas ao teto do funcionalismo (hoje em R$ 44 mil).

Embora haja a previsão de incluir metas e exigências no contrato de gestão que será assinado com a companhia, a avaliação dos críticos é que o modelo ficou frouxo, pois o instrumento não terá força de lei.

Além disso, ao substituir no Orçamento as despesas discriminadas da empresa pelo repasse referente ao contrato de gestão, há o receio de uma redução de transparência.

Técnicos também alertam que o modelo híbrido pode tirar o incentivo que empresas hoje dependentes teriam de buscar autonomia financeira plena, já que o Tesouro continua bancando, com recursos de contribuintes, parte de suas despesas correntes.

A secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, Elisa Leonel, diz à Folha que não haverá redução de transparência na publicação dos dados. Ela defende a mudança sob o argumento de que o modelo atual de estatais dependentes do Tesouro "cria um círculo absolutamente vicioso" de manutenção das empresas nessa condição, pois elas não conseguem investir para impulsionar seu negócio, ainda que arrecadem para isso.

"O que a gente está fazendo é o seguinte: ela vai continuar recebendo uma subvenção do governo, isso vai aparecer [no Orçamento] na forma de contrato de gestão. Se ela trouxer dinheiro novo, entra para o caixa da empresa. Ela consegue então reforçar sua capacidade de investimento e de produção, para que no médio prazo ela tenha receitas suficientes para arcar com as suas despesas", diz a secretária.

"O que a gente espera é que essas estatais paulatinamente deixem de depender dos aportes da União, exatamente porque elas estão conseguindo reforçar seus caixas com produção, com receita nova. Nosso objetivo, no limite, é que elas distribuam dividendos para a União", acrescenta. Neste cenário, por hipótese, a subvenção do Tesouro à empresa ficaria menor ou deixaria de existir —e aí sim se abriria espaço no Orçamento.

Técnicos do governo ouvidos pela Folha afirmam que o modelo híbrido é necessário porque não há hoje um rito bem definido de como uma empresa dependente volta a ser independente do Tesouro Nacional. Percorrer esse caminho poderia ser moroso e atrasar investimentos de companhias como a Telebrás. O contrato de gestão seria, nesse sentido, uma via mais rápida e já prevista na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Segundo Leonel, a assinatura do contrato de gestão vai depender da apresentação de um plano de sustentabilidade, no qual a empresa se comprometa com metas físicas e financeiras. A secretária não quis citar companhias específicas e disse que os casos serão analisados individualmente.

Nos bastidores do governo, a avaliação é que, embora feita sob medida para a Telebrás, a iniciativa pavimenta o caminho para outras companhias também se tornem mais independentes. Um diagnóstico preliminar é que três ou quatro empresas podem se beneficiar do formato.

Uma das que teria potencial de migrar para o modelo híbrido é a Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil). A companhia enxerga demanda suficiente para obter uma receita próxima a R$ 3 bilhões, mas precisa de cerca de R$ 200 milhões imediatos para a aquisição de insumos. O Ministério da Defesa, porém, não dispõe dos recursos para suprir esse pedido.

Procurados na quinta-feira (17), Imbel e Ministério da Defesa não se manifestaram até a publicação deste texto.

Embora não tenha sido citada em conversas internas, a Alada, empresa pública aeroespacial que o governo propôs criar, por projeto de lei, para explorar a base aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, também é vista por pessoas de fora do governo como uma candidata potencial ao modelo híbrido.

Em estudo de mercado feito em grupo de trabalho do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), os militares identificaram empresas do setor aeroespacial como eventuais interessadas no lançamento de foguetes. Quaisquer receitas advindas desses contratos, porém, ficariam travadas nos limites orçamentários. A Defesa também não se pronunciou sobre o tema.

Interlocutores ouvidos pela Folha relataram que a diretoria-executiva da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) se reuniu nesta sexta-feira (18) para discutir o projeto de lei e sua eventual aplicação à companhia. Um técnico do governo, porém, observa que a migração da Embrapa para o contrato de gestão precisaria vir acompanhada de salvaguardas para evitar que sua atuação comercial comprometa pesquisas relevantes para o Estado, mas que não têm tanto valor de mercado.

A Embrapa e as empresas hospitalares, como a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), respondem sozinhas por dois terços da subvenção de R$ 23,9 bilhões arcada pelo Tesouro Nacional.

A Ebserh é a quarta maior estatal em termos de número de trabalhadores. Ela conta com 62 mil empregados, sendo 46 mil em regime de contratação com carteira assinada. Na avaliação de técnicos, porém, a empresa não é uma candidata em potencial à migração para o modelo híbrido proposto no projeto. Em nota, a companhia reforça essa percepção.

"A Ebserh é uma estatal que não produz e comercializa produtos e nem presta serviços diretamente ao mercado. Sua tarefa constitucional é gerenciar unidades próprias da União, os hospitais universitários federais, que atendem 100% via SUS (Sistema Único de Saúde). Eventuais flexibilizações propostas não alcançariam a dinâmica da gestão orçamentária desta estatal", disse.

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