Painel S.A.: EUA usam Anatel para criar 'jabuticaba'

há 3 horas 1

Em meio à guerra tarifária imposta pelo presidente dos EUA, Donald Trump, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, foi surpreendido por uma carta do Escritório de Comércio dos EUA com reclamações sobre a suposta demora da agência na certificação de equipamentos de telecomunicações e internet de fabricantes norte-americanas, como Apple e Starlink.

O assunto, segundo Baigorri, vem sendo conduzido pela diplomacia brasileira no pacote das demais restrições comerciais, inclusive tarifárias, mas causou irritação. Para ele, é uma tentativa de pôr fim a um parque industrial de certificação que é mais eficiente do que o dos EUA.

A reclamação é choradeira ou há problemas na certificação brasileira?
Nosso processo é rápido, técnico e mais barato do que o dos EUA. Os celulares da Apple, por exemplo, são lançados no Brasil junto com os demais países do mundo. Ou seja, não há um problema, não tem nada aqui que seja fora da caixinha. O Brasil tem uma legislação que obriga a realização de testes no próprio país de todos os equipamentos de telecomunicações. Seguimos um padrão internacional da OMC [Organização Mundial de Comércio], organismo que, inclusive, os EUA abandonaram.

Do que se trata, então, essa situação?
Desde 2022, houve diversas reuniões de negociação do Brasil com o governo dos EUA por um acordo de reconhecimento mútuo.

O que ele prevê?
De acordo com ele, tudo o que fosse certificado nos EUA passaria a ser reconhecido pelo Brasil e o que fosse certificado no Brasil entraria lá. Em uma missão aos EUA, eu falei sobre isso com representantes da indústria e eles mesmos defenderam, formalmente, junto à Anatel e ao governo norte-americano, um acordo desse tipo. Isso porque os laboratórios brasileiros são mais baratos e mais rápidos do que os norte-americanos.

O Brasil sempre se mostrou disposto ao reconhecimento mútuo, mas os EUA insistem em um reconhecimento unilateral, onde a gente recebe a certificação deles, mas eles não recebem a nossa. E não dá, tem de ser recíproco.

Com a reciprocidade, o Brasil poderia certificar equipamentos chineses, que entrariam nos EUA sem passar por certificação?
Sim, mas o acordo pode prever limitações para certos tipos de certificações. Desde o edital do 5G, incluímos a cibersegurança entre os padrões de verificação. A agência atesta não só a questão do uso das redes e das faixas de frequências [avenidas no ar por onde trafegam os sinais] como a cibersegurança.

Recentemente, a Anatel suspendeu dois equipamentos da ZTE, empresa chinesa banida por Trump. Isso não ajuda a reverter essa situação com o governo dos EUA?
Não vejo relação. Nosso processo é eminentemente técnico. Os testes nos dois equipamentos da ZTE foram feitos na China, o que é uma possibilidade quando não houver condições de realização do teste no Brasil. Ocorre que havia condições no país. No outro aparelho, faltaram testes em uma das faixas de frequência. Ou seja, houve problemas de conformidade que estão sendo investigados pela Anatel para sabermos se cabe alguma medida sancionatória.

Há algum risco para o 5G por isso?
Não vejo problema, até mesmo porque a ZTE não está presente no mercado. Não tem nenhuma empresa de telecomunicações usando equipamentos dela no momento. Os dois aparelhos eram para uso interno das empresas [não para a prestação do serviço].

Essa situação complica as negociações comerciais do Brasil com EUA?
Não creio. [Os EUA] Estão inventando um jabuti na discussão comercial. E isso atenta contra a nossa soberania e a de outros países. É somente um pleito de um país que quer impor a outros sua certificação de uma forma ilegítima. A lei exige esse processo de certificação e ela só pode ser dispensada quando o país não tiver condições de fazer testes ou se houver acordos de reciprocidade. E não é o caso.


RAIO-X

Carlos Baigorri, 40

Natural de Saint-Louis (EUA) é naturalizado brasileiro, doutor em Economia (UCB) e fez carreira nas telecomunicações, onde começou em 2006, como consultor de operadoras. Em 2009, foi aprovado em primeiro lugar no concurso da Anatel, galgando postos até chegar ao conselho-diretor, em 2020. Assumiu a presidência em 2022.

Com Stéfanie Rigamonti

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