Opinião - Marcia Castro: Primeiro veio a estrada, depois a destruição

há 3 dias 1

A abertura de estradas primárias em fronteiras de floresta tropical pode aumentar ofertas de emprego, reduzir custos de transporte e apoiar o desenvolvimento regional. Entretanto, também pode impulsionar o desmatamento e a vulnerabilidade de comunidades locais a invasões de terras e violência.

Estradas secundárias, abertas a partir de estradas primárias, estão proliferando rapidamente em grande parte das florestas tropicais, sendo em média 29 vezes maiores em comprimento do que as estradas primárias. Um estudo recente analisou 92 estradas primárias, sendo 13 na Nova Guiné, 33 na bacia do Congo e 46 na amazônia brasileira.

O estudo mostra que 4,8, 9,8 e 49,1 km de estrada secundária foram abertos para cada quilometro de estrada primaria na bacia do Congo, Nova Guiné e amazônia brasileira, respectivamente. A perda e degradação florestal associada a essas estradas secundárias foi 31,5, 22,2 e 305,2 vezes maior, respectivamente, do que aquela diretamente ligada às estradas primárias.

Além disso, os impactos humanos foram detectáveis a distâncias de até 35,9, 17,7 e 68 km das estradas primárias na bacia do Congo, Nova Guiné e amazônia brasileira, respectivamente.

O estudo mostra ainda que o desmatamento devido as estradas secundárias é 150 vezes maior do que o provocado por estradas primárias. Cada quilômetro de estrada secundária resultou em 1.923 ha (hectares) de impactos humanos na amazônia brasileira, 272 ha na Nova Guiné e 186 ha na bacia do Congo.

Os números para a amazônia brasileira refletem a existência de estradas secundárias perpendiculares à primária, resultado de antigos projetos de colonização agrícola, além da perda florestal impulsionada devido a agricultura, pecuária e extrativismo predatório. Aqui cabe ressaltar que, dos 3,36 milhões de quilômetros de estradas na amazônia brasileira, 8% estão em áreas protegidas (5% em unidades de conservação e 3% em territórios indígenas). Cerca de 41% da floresta amazônica é cortada por estradas ou está a 10 km de uma estrada (e, portanto, sujeita ao risco de desmatamento).

No Brasil, projetos de infraestrutura (como estradas e hidrelétricas) demandam a elaboração e aprovação de um estudo de impacto ambiental (EIA). No caso de estradas, EIAs raramente abordam o impacto de estradas secundárias.

Por exemplo, a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, com cerca de 870 km de extensão, começou a ser construída em 1968 e foi inaugurada em 1976. Entretanto, a rodovia foi abandonada em 1988 uma vez que o transporte fluvial era mais barato e o tráfego pela rodovia não justificava o custo de manutenção.

Planos recentes para reconstruir a BR-319 demandaram a elaboração de um EIA. O estudo, entretanto, não inclui uma avaliação detalhada sobre estradas secundárias, apesar dessas poderem afetar 68 áreas indígenas e 38 unidades de conservação.

Grande parte das estradas primárias da amazônia foram construídas durante a ditadura militar, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, parte de um modelo predatório de desenvolvimento e integração.

Em alguns dias o golpe militar fará 61 anos. O regime pode ter acabado, mas os impactos não. Ainda estão presentes na sociedade e na amazônia brasileira.

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