Por muito menos escrevi em 9 de dezembro de 2006 uma coluna com o título "Sai daí, Marina". A ministra do Meio Ambiente resistiria ainda cinco meses no cargo, mas antes teve de ouvir de Luiz Inácio Lula da Silva: "Jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?"
Lula se referia à dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), que pode alcançar mais de 1,5 m e teria sua migração rio Madeira acima barrada pelas usinas Santo Antônio e Jirau. A viagem mais longa de um peixe de água doce, 11 mil km da foz do Amazonas ao sopé dos Andes para desovar.
Parecer técnico do Ibama havia recomendado negar o licenciamento das hidrelétricas, por falta de viabilidade ambiental. Marina saiu, as barragens do Madeira foram erguidas, depois Belo Monte no Xingu, e a ministra está de volta ao lado de Lula.
O Ibama se vê de novo na berlinda, após analistas recomendarem vetar a perfuração exploratória de petróleo no bloco 59 da bacia da Foz do Amazonas. A decisão final cabe a Rodrigo Agostinho, presidente do instituto que os nacional-desenvolvimentistas do PT e os oportunistas do centrão cobiçam escorraçar.
Técnicos do Ibama avaliam como insuficientes medidas previstas pela Petrobras para remediação e resgate em ecossistemas de grande importância e fragilidade. Lula poderia bem exclamar: "Jogaram o caranguejo no colo do presidente. O que eu tenho com esse mangue?"
Alguma informação para matizar a presumida opinião presidencial: o Brasil conta 1,4 milhão de hectares (14 mil km2) de manguezais, segunda maior área do planeta (8% do total) depois da Indonésia (20%). Um quarto da vegetação original já se perdeu com expansão de cidades, produção agrícola, poluição e elevação do mar.
Cerca de 75% se localizam nos litorais do Amapá, do Pará e do Maranhão, que confrontam a margem equatorial e compõem a maior área contínua do mundo. Os dados são da publicação "Carbono Azul dos Manguezais".
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Mangues são ambientes peculiares, com alta produtividade biológica e importantes serviços ecossistêmicos, apesar da área reduzida (0,13% do território nacional). As árvores características amortecem a violência de tempestades e ressacas, bastando uma faixa de 100 m para atenuar 2/3 da energia erosiva.
Dão abrigo e sustento para reprodução de aves e mamíferos. Depende dos mangues um sem-número de moluscos, crustáceos e peixes, para os quais constituem verdadeiro berçário. Quase 300 mil pescadores e marisqueiros do país vivem dos recursos ali coletados.
O bloco 59 fica a uns 160 km de Oiapoque (AP) e outros 500 km da foz do Amazonas propriamente dita. Mas não é a distância que conta, e sim correntes marinhas e a capacidade de reação da Petrobras a derramamentos em área tão remota e sem infraestrutura do país –fulcro da avaliação pelo Ibama.
Os mangues importam, sim. E olhe que o não se encontra no escopo do instituto a principal razão para questionar a extração na foz do Amazonas ou em qualquer nova bacia petrolífera: o aquecimento global pela queima de combustíveis fósseis, que já espalha desastres climáticos pelo globo.
Além de bagres e caranguejos, no colo do presidente há milhões de crianças pobres nascidas e por nascer, que sofrerão as piores consequências de sua ambiguidade.