Opinião - Bráulio Borges: Serviços ecossistêmicos e o PIB

há 8 horas 1

Pelo menos desde 2021, eu venho chamando a atenção para a estiagem crônica que o Brasil tem enfrentado desde 2012. Embora conjunturalmente as chuvas tenham se aproximado da média histórica nos meses finais de 2024 e no começo deste ano, o fato é que, de 2012 a 2024, as precipitações anuais em território nacional foram quase 15% menores do que entre 1980 e 2011.

Na prática, dada a persistência desse quadro há mais de 10 anos, é possível apontar com certa segurança que a média já mudou, para baixo. Como não estávamos devidamente preparados para isso, essa mudança gerou efeitos bastante deletérios sobre a economia brasileira na última década, uma vez que o serviço ecossistêmico propiciado pelas chuvas é crucial em um país em que quase 25% do PIB (Produto Interno Bruto) está relacionado ao agronegócio e que cerca de 60% da geração de eletricidade advém de hidrelétricas (já foi de 90% antes do racionamento de 2001).

Ainda assim, essa questão segue sendo menosprezada por boa parte dos analistas —a despeito de diversos estudos internacionais apontarem a relevância das chuvas para a performance econômica dos países, sobretudo daqueles em desenvolvimento.

Na semana passada, foi publicado mais um desses estudos, centrado na economia uruguaia. O trabalho, de economistas do FMI (Fundo Monetário Internacional), apontou que a seca observada no país entre o último trimestre de 2022 e meados de 2023, com chuvas 47% abaixo da média histórica, teve um impacto sobre o PIB deles de quase 1,5 p.p. negativo nesse período, com os efeitos negativos perdurando até 2024.

Vale lembrar que, no Brasil, as chuvas foram 28% menores do que a média histórica em 2024 e 2021, cerca de 20% mais baixas em 2022 e 2023 e 10% mais baixas no período de 2012 a 2019. Também é importante lembrar que nosso sistema econômico depende mais de chuvas do que o uruguaio: embora a participação do agronegócio no PIB seja semelhante nos dois países, no Uruguai a participação da geração hidrelétrica no total tem se situado em torno de 30% desde 2020, comparativamente a pouco mais de 60% no caso brasileiro.

A estiagem no Brasil não está tão associada ao aumento das temperaturas no mundo (uma mudança climática global) e sim ao desmatamento acumulado na região da floresta amazônica (uma mudança climática regional).

Esse desmatamento, além de despejar liquidamente gases de efeito estufa na atmosfera global, também vem afetando, negativamente, o fenômeno local conhecido como "rios voadores", o qual determina parte relevante das chuvas na região Centro-Sul do Brasil e mesmo no norte da Argentina, Paraguai e Uruguai.

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Portanto, não podemos ignorar, nas análises econômicas, os efeitos do meio ambiente sobre os processos produtivos. O Banco Mundial estimou, em um trabalho publicado no ano passado ("The Changing Wealth of Nations 2024"), que o estoque de capital associado a recursos naturais renováveis respondeu, em 2020, por quase 11% do estoque de riqueza brasileira (o dobro do percentual estimado para o mundo como um todo).

Nesse contexto, é importante ressaltar a inovação introduzida pela SPE (Secretaria de Política Econômica), para calcular o resultado fiscal estrutural —que citei na minha última coluna. Até onde se saiba, tratou-se do primeiro trabalho a incorporar, explicitamente, ao menos um serviço ecossistêmico (chuvas) para estimar o PIB potencial brasileiro.

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