Hoje, nas redes sociais, quando o assunto é economia brasileira, parecem existir dois mundos completamente diferentes. De um lado, aqueles que exaltam o desempenho recente e atribuem ele totalmente à política econômica atual, desdenhando dos alertas feitos por vários analistas e pelos preços dos ativos brasileiros sobre a sustentabilidade disso ao longo do tempo.
Do outro lado, estão aqueles que querem fazer parecer, muito por conta da expressiva depreciação cambial observada em 2024 (metade dela explicada por fatores fora de nosso controle), que estamos em grave crise econômica e que o bom desempenho seria "fake", envolvendo até mesmo manipulação de estatísticas pelo governo.
Qual dessas narrativas está mais próxima da verdade? A realidade é muito mais cheia de nuances do que sugere o debate raso e polarizado das redes sociais, que reflete muito mais torcida, a favor e contra. Vou tentar iluminar esse debate nesta coluna com alguns argumentos mais técnicos.
Bem, em primeiro lugar, é inegável o fato de que o crescimento do PIB mais uma vez surpreendeu, fechando 2024 com alta em torno de 3,5%, o dobro do esperado no começo do ano passado. Essas surpresas positivas vêm desde 2021 (ou seja, desde o governo anterior) e refletem, em boa medida, a forte (e insustentável) expansão dos gastos públicos dos três níveis de governo, bem como a alta da renda das commodities (neste caso, até 2023).
Com um crescimento do PIB de pouco mais de 3% a.a. em 2022-24, nossa economia superou o quadro de excesso de desemprego e ociosidade do parque produtivo que nos acometeu por quase uma década —o que é uma ótima notícia, tanto em termos de bem-estar da sociedade como em termos do próprio crescimento potencial da economia.
Contudo, mesmo com o PIB crescendo mais de 3% a.a., a dívida pública brasileira, que já é bastante elevada, continuou subindo, em % do PIB. Ou seja: somente crescer não basta para resolver nossos problemas fiscais. Precisamos voltar a ter superávits primários, de pelo menos 1% do PIB, o quanto antes (em 2024 o déficit deve ter sido de 0,5% do PIB).
Folha Mercado
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Ademais, há sinais de que, desde meados de 2024, a economia brasileira está superaquecida, com isso já se refletindo na inflação. Ignorar isso e continuar "pisando no acelerador" é uma possibilidade, como já foi feito em outros momentos no passado, mas traz efeitos colaterais negativos: inflação e juros maiores, aumento do déficit das contas externas, risco de bolha de preços de ativos (como imóveis) e maior probabilidade de uma freada brusca mais à frente.
Um ingrediente adicional nesse quadro vem do ambiente externo, que se tornou muito mais incerto nos últimos meses com a vitória de Donald Trump nos EUA e o expressivo fortalecimento, o maior desde 2015, do dólar americano —acontecimento este que, como apontei em minhas duas últimas colunas, não costuma prenunciar boas notícias para as economias emergentes.
Portanto, é correto afirmar que, do ponto de vista macroeconômico, o Brasil teve, em 2024, o melhor momento desde o começo da década de 2010. Entretanto, seja pela mudança desfavorável do ambiente externo, seja pelo novo ponto de partida doméstico, é preciso adotar um "freio de arrumação" para conferir maior sustentabilidade e evitar mais um "voo de galinha".