Se a indicação de Gabriel Galípolo para suceder Roberto Campos Neto for confirmada nesta semana pelo presidente Lula, como quer o ministro Fernando Haddad (Fazenda), a primeira etapa do processo de transição no comando do Banco Central terá começado sem grandes solavancos.
Apesar dos problemas com o vaivém de comunicação de quinta-feira (22), que levou Galípolo a declarar que tinha se expressado mal, o diretor de Política Monetária do BC vem conseguindo coordenar as expectativas e mostrar aos investidores que os juros subirão, se necessário, para combater a alta da inflação e garantir a sua convergência para a meta de 3%.
Para Galípolo, tem sido um trabalho dobrado de busca de credibilidade, quando boa parte do mercado segue desconfiando de que o BC, sob influência de Lula, será brando na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação, podendo optar por priorizar um crescimento maior da economia.
O esforço para construir sua reputação como banqueiro central exigiu até agora do diretor de Política Econômica do BC falar mais do que se espera de um integrante do Copom. Interpretações desencontradas com suas falas, cujas palavras são minuciosamente dissecadas pelos analistas do mercado à procura de pistas sobre a próxima decisão de juros, podem deixá-lo vulnerável.
Ossos do ofício, ou melhor, do aprendizado.
Após as turbulências provocadas pela decisão de maio do Copom, com o placar de 5 votos a 4 pela queda de 0,25 ponto porcentual da taxa Selic, entre "bolsonaristas e lulistas" (referência às indicações feitas pelos dois presidentes para a diretoria do BC), porém, o saldo é positivo.
O cenário poderia ser de guerra aberta. Em maio se esperava a amplificação das incertezas sobre o futuro da política de juros para o controle da inflação com uma escalada da disputa interna no Copom até o fim do mandato.
Na equipe econômica, o medo era de risco de uma segunda transição no governo Lula, após a primeira, quando Lula foi eleito, em 2022, e o mercado esperava um cavalo de pau da política econômica.
Campos e os diretores do BC fizeram a sua DR particular no Copom e foram ajustando o passo por necessidade. O que se espera, depois de tantas declarações nas últimas semanas, de Galípolo, Campos Neto e diretores do BC, é nada menos do que unanimidade nas decisões até o final do ano, quando Campos Neto termina o seu mandato. São mais três reuniões até lá.
Esse é um ponto crucial, porque, depois da saída de Campos Neto e de mais dois diretores, o Copom ainda terá diretores que foram indicados por Bolsonaro.
Após a indicação de Lula, vem, é claro, o teste da sabatina no Senado, no qual ainda se espera o avanço de acordos de bastidores, que envolvem, por exemplo, o projeto que anula trechos do decreto de armas do presidente Lula, indicações para as agências reguladoras e a votação da PEC da autonomia financeira do BC.
Galípolo, que é elogiado pelos senadores por ser atencioso e solícito com todos, caso indicado, será aprovado, mas pode acabar enfrentando mais dificuldade a depender desses acordos.
O perfil das outras três indicações, que Lula ainda terá de fazer para a diretoria, também faz parte da construção da reputação do BC sob nova direção. Para o mercado, eles têm que estar afinados com as sinalizações dadas por Galípolo.
Mas a transição não termina com a aprovação das indicações de Lula pelo plenário, as próximas reuniões do Copom até Campos Neto deixar o BC e a posse em janeiro do ano que vem.
O casamento com Lula precisa dar certo. Por enquanto, tem muita gente fazendo apostas de quanto tempo vai durar a lua de mel com o presidente. A dúvida que o futuro presidente do BC terá que dissipar é de como será o dia depois da sua posse.
No caso de Galípolo, se ele manterá o duro discurso que tem adotado.
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