O retrato mais recente da população brasileira mostra 7,12 milhões de pessoas no Nordeste declaradas como pretas e uma parcela superior a 32 milhões que se autodefine como parda. Os dois grupos são maioria na região e, em proporção, superam a média do país, ao mesmo tempo que também evidenciam o que especialistas chamam de "uma grande discrepância".
"Quando a gente olha para dentro das empresas, essa população não está refletida em postos de alta gestão —principalmente se são mulheres negras", diz Joelma Soares da Silva, professora de administração da UFC (Universidade Federal do Ceará).
As companhias de destaque no Diversidade nas Empresas, feito pelo Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) em parceria com a Folha, dão indícios de mudança desse quadro. São elas o Banese (Banco do Estado do Sergipe), a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), a Ferrovia Norte-Sul), a Pague Menos e a Solar Coca-Cola, que buscam um quadro de colaboradores mais diverso.
O estudo avaliou a participação de mulheres e pretos, pardos e indígenas em cargos de média liderança, diretoria e conselhos de administração e fiscal de empresas de capital aberto que os declararam à CVM (Comissão de Valores Mobiliários). No total, um universo de 418 companhias foi levado em consideração. O recorte compreendeu aquelas de 100 a 4.999 funcionários, como o Banese, a Cagece e a Ferrovia Norte-Sul, e com mais de 5.000 colaboradores, tal qual a Solar Coca-Cola e a Pague Menos.
Nas organizações avaliadas pelo estudo FGV/Folha com maior concentração de trabalhadores no Nordeste, segundo o levantamento, pretos, pardos e indígenas não existem nesses postos ou são minoria. As posições de média liderança, como gerências, são as únicas de comando em que predominam.
Mudança é observada na fabricante de bebidas Solar Coca-Cola, que tem sede no Ceará e é detentora de 13 unidades de produção no Brasil, a maioria no Nordeste. Em uma publicação nas redes sociais, a companhia afirma que "diversidade é assunto sério". A mensagem inclui a ilustração de uma mulher e de um homem negros, um "pequeno guia antirracista" e o registro de que 60% de todas as posições de liderança na empresa são ocupadas por pessoas negras.
Segundo o levantamento FGV/Folha, a Solar teve 54,5% de participação de pessoas pretas, pardas e indígenas no conselho de administração em 2023.
"A gente fala muito em refletir a diversidade da população dentro do nosso negócio, para além de ser o certo a ser feito", diz o gerente corporativo de atração e cultura da empresa, Hallyson Bezerra. "Muitos nesses grupos não se veem em posição de poder e nem imaginam que a ascensão profissional seja possível."
A questão racial é um grande desafio também para Rosi Purceti, vice-presidente de gente, cultura e sustentabilidade da Pague Menos, com sede no Ceará e mais de 1.600 farmácias e 26 mil colaboradores no país, 65% deles no Nordeste.
O levantamento FGV/Folha mostra a rede com 25% de participação de pretos, pardos e indígenas na diretoria. Entre as apostas está um programa voltado ao desenvolvimento de lideranças pretas. "Um dos principais desafios é fazer com que a diversidade esteja presente não apenas nas bases", diz Purceti. "Ainda há uma grande jornada de inclusão a ser percorrida."
Destaque do setor de água e saneamento pela presença de pessoas pretas, pardas e indígenas, a Cagece manteve em 2023 uma diretoria com 37,5% de participação do grupo, de acordo com o estudo.
Folha Mercado
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A superintendente de pessoas da estatal, Simone Arrais, diz que 47% dos cargos de gestão são ocupados por mulheres e que a equidade de gênero nesses postos tem evoluído, com crescimento médio de 2,5% ao ano. Em relação ao desafio racial, apontado por ela como "o maior" nesse contexto, o chamado "letramento racial", que tem como objetivo levar os interessados a compreender de forma crítica as relações raciais, é uma das estratégias adotadas.
O Banese também reforça o movimento, com mulheres compondo 50% de seu conselho fiscal —o grupo de pretos, pardos e indígenas responde pelo mesmo percentual.
Na instituição, abordagens referentes a pautas raciais e de combate ao preconceito ocorrem por meio de informativos em rede corporativa interna, rodas de conversa, lives e palestras, diz Sara Raquel Araújo, superintendente de gestão de pessoas. O banco também discute medidas para reduzir desigualdades de gênero.
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"O acesso seletivo à educação, a falta de oportunidade e equidade no mercado de trabalho, além de jornadas triplas para mulheres, contribuíram e ainda contribuem para o desequilíbrio social", diz Araújo. "Observamos avanços na legislação, mas ainda existe muito a se fazer, sendo gênero e raça desafios que precisam ser trabalhados em paralelo."
Rute Melo Araújo, diretora-executiva de gente, inovação e sustentabilidade da VLI, operadora do trecho da Ferrovia Norte-Sul que passa pelo Nordeste, afirma que, nas concessões da companhia, a meta é alcançar 30% de mulheres em posições de alta liderança até 2025 e aumentar a presença feminina no quadro geral de funcionários por meio de ações que incluem mentorias e aceleração de carreiras.
O levantamento FGV/Folha aponta que 100% do conselho de administração da ferrovia era composto por mulheres em 2023.
Questões "estruturais", como mais dificuldades de acesso à educação, empurram grupos sub-representados para a base da pirâmide nas organizações, diz William Pereira, professor de economia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
"Cargos na alta administração exigem níveis maiores de escolaridade e normalmente são ocupados por brancos. Como sempre enfrentaram mais barreiras para passar do ensino fundamental e ingressar na universidade, os pretos e pardos foram ficando no chão da fábrica, nos pisos mais baixos", afirma. Mesmo com políticas como cotas e outros avanços, preconceito e discriminação na sociedade dificultam a inserção nos postos mais elevados, acrescenta Pereira.
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As notas de participação feminina e de pretos, pardos e indígenas, que vão de 0 a 100, foram calculadas levando em consideração a presença dos grupos em cargos de alta e média liderança. Os autores do estudo deram pesos diferentes para cada uma das categorias analisadas: enquanto diretoria e conselho de administração têm peso maior, uma vez que os membros têm maior poder decisório, a média liderança e o conselho fiscal têm peso menor.
- Empresas de 100 a 4.999 funcionários
BANESE
Fundação 1961
Funcionários 938
Participação de pretos, pardos e indígenas 28,40
Participação feminina 18,13
Também levou na categoria Bancos, Seguros e Serviços Financeiros
FERROVIA NORTE-SUL
Início da concessão da holding VLI 2007
Funcionários não informado
Participação de pretos, pardos e indígenas 15,69
Participação feminina 32,86
Também levou nas categorias Conselho de Administração e Transporte, Logística e Serviços
- Empresas com 5.000 funcionários ou mais
CAGECE
Fundação 1971
Funcionários 5.000 (em 2024)
Participação de pretos, pardos e indígenas 34,49
Participação feminina 20,46
Também levou na categoria Água e Saneamento
PAGUE MENOS
Fundação 1981
Funcionários 26 mil
Participação de pretos, pardos e indígenas 18,53
Participação feminina 21,30
Também levou na categoria Serviços de Saúde
SOLAR COCA-COLA
Fundação 1970
Funcionários 18 mil
Participação de pretos, pardos e indígenas 30,26
Participação feminina 10,93
Também levou nas categorias Alimentos e Bebidas e Conselho de Administração