Em 2018, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, acusou o deputado federal Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República, do crime de racismo e manifestação discriminatória contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs.
O delito prevê pena de reclusão de um a três anos.
A denúncia foi rejeitada na Primeira Turma do STF por 3 a 2, com o voto de desempate de Alexandre de Moraes, que acompanhou Luiz Fux e Marco Aurélio (relator).
Eles entenderam que as declarações se deram dentro dos limites da liberdade de expressão.
Uma eventual condenação de Bolsonaro poderia ter dificultado sua eleição, evitado o genocídio na pandemia, o vandalismo de 8 de janeiro e a organização criminosa que incluiu militares de alta patente.
Bolsonaro "praticou, induziu e incitou discriminação e preconceito contra comunidades quilombolas, inclusive comparando-os com animais", denunciou Dodge.
"Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas", afirmou o deputado.
"Apesar do erro das declarações, não me parece que a conduta teria extrapolado os limites para um discurso de ódio, de incitação ao racismo, de xenofobismo", afirmou Moraes em seu voto.
Para Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, as expressões enquadram-se no artigo 20 da Lei do Crime Racial, que considera crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
Em 2022, na gestão de Augusto Aras, a PGR pediu o arquivamento de duas representações contra Bolsonaro por perguntar a um negro se ele pesava "mais de sete arrobas", medida usada para pesagem de gado.
Porteira aberta
No recebimento da denúncia contra Bolsonaro, Fux introduziu nos debates, de forma inadequada, outro processo: o caso da inscrição em batom na estátua "A Justiça", em Brasília.
Ele disse que exerceria a "humildade judicial" para rever "erros" cometidos no decorrer dos processos contra os acusados de participar dos ataques golpistas.
Fux abriu a porta para a defesa de outros réus pleitear a redução da pena de seus clientes, movimento que evoluiu, chegando a se atribuir ao relator do caso 8 de janeiro "violação ao contraditório e à ampla defesa".
No caso dos quilombolas, o voto de Moraes está longe de sugerir cerceamento da defesa.
"Debaixo da toga bate o coração de um homem", disse Fux, que pareceu impressionado com a versão inconvincente da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos.
Débora disse que estava apenas "tirando fotos", que não adentrou nenhum prédio e "não fazia ideia do valor simbólico" da estátua. Atribuiu o dano ao "calor do momento".
As imagens da cabeleireira, sorridente com as mãos e rosto manchados de batom, não combinam com essa interpretação.
Gilmar Mendes lembrou que "ela estava nos acampamentos e, nesse momento, ela não estava com os filhos".
"Agora projetam essa situação de mãe de família e tudo mais. As pessoas assumiram um risco enorme", diz o decano.
"Eu estou longe de ser uma pessoa que defende punitivismo penal. Discuto muito a questão da [prisão] domiciliar a mães, acho até que precisam de apoio para não reincidir. Mas houve aqui uma utilização política desse caso, tentando mostrar que nós seríamos monstros insensíveis diante de uma situação que foi grave: ela participou da ocupação dos prédios. Por isso a mesma pena de outros", diz Gilmar.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), do Grupo Prerrogativas, escreveu que "a mídia social da extrema-direita conseguiu emplacar uma sensação geral na sociedade civil, taxando as penas de abusivas e injustas."
"Chegam a mentir deslavadamente afirmando que a dama do batom foi condenada a 14 anos por pichar uma escultura do Ceschiatti. A partir daí todos dão palpites, mesmo os democratas de esquerda, pedindo que as penas sejam reduzidas. É bom ir devagar com o andor. As penas são altas porque os crimes imputados pelo procurador-geral são gravíssimos e têm penas mínimas muito altas."