Mônica Bergamo: Haddad diz que falta honestidade intelectual a críticos e que Lula será candidato 'competitivo'

há 1 semana 7

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que o Brasil está hoje "em uma situação muito melhor do que já estivemos" em relação às contas públicas, e que falta honestidade intelectual por parte daqueles que não reconhecem o esforço do governo no ajuste fiscal.

"O mercado previa déficit de 0,8% do PIB, e nós performamos 0,1%, próximo do centro da meta, que era zero, mas longe do teto", diz.

Ele acredita que, depois da ascensão da extrema-direita no Brasil e no mundo, a economia ainda influencia, mas não determina o resultado de uma eleição. E diz acreditar que Lula recuperará popularidade pois o governo tem tempo de encontrar o eixo de um 'posicionamento comunicacional' até as eleições.

AJUSTE FISCAL

A inflação brasileira mantém uma trajetória acima da meta, e o senhor já disse que teremos que crescer menos em 2025 para segurar os preços. A previsão de 1,98%, feita pelo mercado, já não é bem baixa?

Nós estamos prevendo um crescimento maior, de 2,5%. E a média de crescimento do governo Lula vai ser maior do que a dos sete anos dos governos conservadores que nos antecederam.

Ainda assim, não é muito pouco?
Quando crescemos muito, a imprensa diz que estamos crescendo acima das nossas possibilidades. Os editoriais são recorrentes. Não vamos agradar.

Nós tivemos dez anos de déficit primário. A atual oposição teve sete anos para fazer o ajuste fiscal e não fez. É curioso que isso nunca seja relembrado.

O que diferencia o Lula dos antecessores é que, para nós, o ajuste fiscal depende de um crescimento mais robusto, importante até para corrigir as distorções do nosso orçamento, das nossas contas.

E o senhor acha que estão conseguindo?
Eu não acho: o dado do ano passado mostra que estamos perseguindo a meta [fiscal] constantemente.

GASTOS

Há seis meses o senhor disse à coluna que a dinâmica dos gastos era preocupante. E que as medidas tomadas até então não eram suficientes para endereçar o problema estrutural, de longo prazo.
E nós fizemos vários reajustes depois daquela entrevista. Não fizemos mais porque o Congresso não aprovou tudo o que encaminhamos.

O senhor acha que já foi feito o suficiente?
Essa palavra nunca vai existir.

O que eu digo é que, depois daquela entrevista, encaminhei várias medidas ao Congresso Nacional. A maioria foi aprovada, o que nos permitiu ter um orçamento com equilíbrio fiscal para 2025.

O mercado previa déficit de 0,8% do PIB [em 2024], e nós performamos 0,1%, próximo do centro da meta, que era zero, mas longe do teto. O que te falei, eu cumpri.

Não estamos adotando a teoria do band-aid? Estanca a sangria, ou seja, o déficit do ano, mas no longo prazo ela volta, já que as questões estruturais do gasto permanecem?
Mas várias medidas estruturais foram tomadas, com alterações constitucionais. Atualizamos a política do salário mínimo, adequamos as políticas do abono, do Fundeb, para fazer caber dentro do arcabouço. Isso foi reconhecido por economistas inclusive críticos ao PT.

ORDEM NAS CONTAS

O líder do PT, Lindbergh Farias, disse à coluna que o que tinha que ser feito de ajuste já foi feito, e que o governo vai mudar de assunto. É isso mesmo?
É muito curioso não sermos reconhecidos como um governo que está colocando ordem nas contas.

Poderíamos ter judicializado e empurrado o pepino do calote aos governadores e nos precatórios por 20 anos. E optamos por não fazer. Estamos atuando com diligência nos tribunais para eliminar riscos fiscais de natureza judicial. O Supremo Tribunal Federal (STF) disse que o Congresso tem que respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (no âmbito de ação movida pelo governo), algo inédito.

Se não fosse a [decisão de adiar o fim da] desoneração da folha de pagamento no ano passado, que inclusive beneficiou a mídia, teríamos superávit primário no ano passado.

Pensa um pouco antes de cobrar. Sinceramente, falta um pouco de honestidade intelectual com o esforço que o governo está fazendo

A mesma mídia que defende corrigir as contas públicas defende também os seus privilégios. Ok, esse é o Brasil. Mas pensa um pouco antes de cobrar. Sinceramente, falta um pouco de honestidade intelectual com o esforço que o governo está fazendo.

Estamos em uma situação melhor do que já estivemos. E que este é um trabalho permanente porque é também pedagógico, de consistência e resiliência, de conversar o tempo todo com todo mundo para não sairmos do rumo traçado. Que é o de perseguir esse caminho [de ajuste nas contas públicas], independentemente de eleição e de quem está no governo.

Temos que recuperar a credibilidade, e isso está sendo feito. As três agências de risco reconhecem isso. O FMI também. O curioso é que quando uma agência de risco melhora a nossa nota de crédito, a imprensa faz editorial criticando a agência de risco. É algo particular do Brasil, né?

POPULARIDADE

Lula está em queda de popularidade mesmo depois de o país crescer 3,4% em 2024. Um crescimento ainda menor neste ano não pode fazer as coisas, do ponto de vista do governo, degringolarem de vez?
Os governos do [presidente da França, Emmanuel] Macron e do [ex-presidente e candidato derrotado por Trump nos EUA, Joe] Biden apresentavam bons indicadores econômicos, e não foram bem nas urnas.

Essa correlação, portanto, é hoje mais complexa no mundo todo depois da ascensão da extrema direita, que lida com desinformação, fake news, com a criação de espantalhos e ameaças fictícias. Com a manipulação de corações e mentes, ela foi capaz de tirar o Reino Unido da União Europeia.

É um outro mundo.

Ninguém imaginava que a democracia americana, no século 21, fosse viver o desafio pelo qual está passando. Universidades e escritórios de advocacia estão sendo perseguidos, há um alinhamento das big techs com o mercado financeiro em proveito de um projeto autoritário que pode colocar a democracia em risco.

Estamos em uma situação crítica. A economia não vai ser mais o fator determinante de um resultado eleitoral.

Agora, é muito difícil imaginar um projeto de extrema direita duradouro no mundo contemporâneo. Vai haver muita resistência.

Os governos do [presidente da França, Emmanuel] Macron e do [ex-presidente nos EUA Joe] Biden apresentavam bons indicadores econômicos, e não foram bem nas urnas. Essa correlação, portanto, é hoje mais complexa no mundo todo depois da ascensão da extrema direita

Qual é então o seu diagnóstico sobre a queda de popularidade de Lula?
A queda não é crônica. É recente. Eu penso que o solavanco que ocorreu com o dólar em dezembro, nos debates com o mercado financeiro, causou uma certa apreensão.

Há uma instabilidade meio crônica que está dada, até pelo contexto internacional, que é muito desafiador. Temos também nossos desafios domésticos. E o mercado reage prontamente a todo e qualquer sinal. As pessoas ficam mais à flor da pele para defender seu patrimônio. Outros especulam. É do jogo.

RUÍDO DO PIX

E o ruído em torno do Pix?
Curiosamente a imprensa tradicional defendeu o governo explicando que a medida nada tinha a ver com tributação, mas isso contou pouco na guerra de narrativa das redes sociais.

A instrumentalização delas é mais favorável a grupos extremistas. Sob o manto da liberdade de expressão, você fala toda e qualquer mentira que vier à cabeça, impunemente.

Mas penso que [a causa da queda de popularidade de Lula] é anterior.

Sob o manto da liberdade de expressão, você fala toda e qualquer mentira que vier à cabeça, impunemente.

Lula anunciou crédito consignado para o trabalhador que tem carteira assinada, e isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. O governo não está trabalhando muito ainda no modo CLT?
Eu recebi uma encomenda do presidente Lula para cumprir uma promessa de campanha, que aliás seu antecessor também fez, não cumpriu e ninguém cobrou.

Lula, com 50 anos de vida pública, tem a dignidade de honrar a palavra. Não fizemos isso por causa de pesquisa. Estávamos trabalhando há um ano na proposta. Quando ela ficou em pé, mandamos para o Congresso.

Por ela, 140 mil pessoas vão pagar mais imposto, e 10 milhões vão deixar de pagar.

ELEIÇÕES 2026

Mas por que, afinal, esse mau-humor do eleitor com Lula?
O Lula vai chegar competitivo em 2026. Será uma eleição fácil? Não. Como a de 2018 não foi, como a de 2022 também não foi.

Uma força de extrema direita emergiu no Brasil, e ela dialoga com a tradição autoritária brasileira. O integralismo dos anos 1930, que era o nosso fascismo, tinha dois milhões de simpatizantes. Vivemos depois sob uma ditadura [de 1964 a 1985].

Nossa democracia é muito recente. E quando emerge uma força de extrema direita, ela resiste porque tem base na nossa história.

Uma força de extrema direita emergiu no Brasil, e ela dialoga com a tradição autoritária brasileira

Não há nenhuma responsabilidade do próprio governo?
O governo está acertando no atacado. Agora, o que a gente chama de comunicação, e que as pessoas muitas vezes confundem com marketing, é um desafio para todos os governos democráticos. É um problema de posicionamento comunicativo, e não de posicionamento ideológico. Como você [governo] traduz o que está fazendo em um plano de voo em que as pessoas consigam enxergar um horizonte mais amplo? Daqui para a eleição, temos tempo para encontrar esse eixo.

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