Matemático japonês Masaki Kashiwara recebe o Prêmio Abel

há 4 dias 4

Masaki Kashiwara, 78, recebeu o Prêmio Abel deste ano. O trabalho dele combinou álgebra, geometria e equações diferenciais de maneiras surpreendentes.

A Academia Norueguesa de Ciências e Letras, responsável pelo prêmio, anunciou o nome do ganhador da láurea na manhã desta quarta-feira (26).

"Em primeiro lugar, ele resolveu algumas conjecturas em aberto —problemas difíceis que existiam", disse Helge Holden, presidente do comitê do prêmio. "E, em segundo lugar, ele abriu novos caminhos, conectando áreas que não eram conhecidas por serem conectadas antes. Isso é algo que sempre surpreende os matemáticos."

Matemáticos usam conexões entre diferentes áreas da matemática para lidar com problemas difíceis, permitindo que eles reformulem esses problemas em conceitos que entendem melhor.

Isso fez de Kashiwara, da Universidade de Kyoto, "muito importante em muitas áreas diferentes da matemática", segundo Holden.

Mas foram encontrados usos para o seu trabalho na resolução de problemas concretos do mundo real?

"Não, nada", disse Kashiwara em uma entrevista.

A láurea é acompanhada por 7,5 milhões de coroas norueguesas (cerca de R$ 4 milhões).

Diferentemente dos laureados com o Nobel, que frequentemente são surpreendidos com ligações no meio da noite pouco antes de seus nomes serem anunciados ao público, Kashiwara sabia havia uma semana que receberia o Prêmio Abel.

"O diretor do meu instituto me disse que haveria uma reunião no Zoom às 4h da tarde e avisou ‘por favor, participe’", lembrou Kashiwara em uma entrevista.

Na videoconferência, ele não reconheceu muitos dos rostos. "Havia muitas pessoas não japonesas na reunião e eu me perguntava o que estava acontecendo."

Marit Westergaard, secretária-geral da academia norueguesa, apresentou-se e disse a Kashiwara que ele havia sido escolhido para o Prêmio Abel deste ano.

"Parabéns", afirmou ela.

O matemático, que estava com problemas de conexão com a internet, inicialmente ficou confuso. "Não entendi o que você disse", respondeu ele na reunião.

Quando seus colegas japoneses repetiram a notícia em japonês, Kashiwara afirmou: "Isso não era o que eu esperava, estou muito surpreso e honrado".

Kashiwara, que cresceu no Japão nos anos do pós-guerra, foi atraído pela matemática ainda na infância. Ele se lembrou de um problema comum de matemática japonês conhecido como "tsurukamezan", que se traduz como o "cálculo da garça e da tartaruga".

O problema diz: "Há garças e tartarugas. A contagem de cabeças é X e a de pernas é Y. Quantas garças e tartarugas há?" (Por exemplo, para 21 cabeças e 54 pernas, a resposta é 15 garças e seis tartarugas.)

Esse é um problema simples de álgebra semelhante ao que alunos resolvem no ensino médio. Mas Kashiwara era muito mais jovem quando o encontrou e leu uma enciclopédia para aprender como chegar à resposta. "Eu era uma criança, acho que tinha seis anos."

Na faculdade, ele participou de um seminário do matemático japonês Mikio Sato e ficou fascinado pelo trabalho inovador dele, hoje conhecido como análise algébrica.

Fenômenos no mundo real são descritos por números reais como 1. Também existem o que são conhecidos como números imaginários como i, que é a raiz quadrada de -1, e números complexos, que são somas de números reais e imaginários.

Números reais são um subconjunto de números complexos. O mundo real, descrito pelas funções matemáticas dos números reais, "é cercado por um mundo complexo" envolvendo funções de números complexos, segundo Kashiwara.

Para algumas equações com singularidades —pontos onde as respostas se tornam infinitas—, observar o comportamento próximo com números complexos às vezes pode fornecer insights. "Assim, a inferência do mundo complexo é refletida nas singularidades do mundo real", afirmou Kashiwara.

Ele escreveu —à mão, em japonês— uma tese de mestrado usando álgebra para estudar equações diferenciais parciais, desenvolvendo técnicas que empregaria ao longo de sua carreira.

Seu trabalho também envolveu o que é conhecido como teoria da representação, que usa o conhecimento de simetrias para ajudar a resolver um problema.

"Imagine que você tenha uma figura desenhada no chão", disse o matemático Olivier Schiffmann, da Universidade de Paris-Saclay e do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França. "Infelizmente, está tudo coberto de lama e tudo o que você consegue ver é, digamos, um setor de 15 graus dela."

Mas, se alguém sabe que a figura permanece inalterada quando girada por 15 graus, é possível reconstruí-la por meio de rotações sucessivas. Devido à simetria, "só preciso conhecer uma pequena parte para entender o todo", afirmou Schiffmann. "A teoria da representação permite fazer isso em situações muito mais complexas."

Outra invenção de Kashiwara foi chamada de bases de cristal. Ele se inspirou na física estatística, que analisa temperaturas críticas quando materiais mudam de fase, como quando o gelo derrete para água. As bases de cristal permitiram que cálculos complexos, aparentemente impossíveis, fossem substituídos por grafos muito mais simples de vértices conectados por linhas.

"Esse objeto puramente combinatório, na verdade, codifica muitas informações", disse Schiffmann. "Isso abriu uma nova área de pesquisa inteira."

Holden afirmou que o trabalho de Kashiwara era difícil de explicar para não matemáticos, porque era muito mais abstrato do que o de alguns laureados anteriores do Prêmio Abel.

Por exemplo, a pesquisa de Michel Talagrand, laureado do ano passado, estudou a aleatoriedade no Universo, como as alturas das ondas do oceano, e o trabalho de Luis Caffarelli, que foi homenageado há dois anos, pode ser aplicado a fenômenos como a fusão de um pedaço de gelo.

O trabalho de Kashiwara é mais como amarrar várias ideias abstratas de matemática em combinações mais abstratas que são perspicazes para os matemáticos que lidam com uma variedade de problemas.

"Acho que não é fácil", disse Kashiwara. "Desculpe."

Leia o artigo completo