Júlia Dias: 'Cashback' tributário: idealismo ou realidade?

há 4 meses 16

A aprovação do projeto de regulamentação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados trouxe mais detalhes sobre o "cashback" tributário.

A ideia do "cashback" trazido pela reforma tributária nada mais é do que a devolução dos tributos que irão incidir sobre o consumo, o IBS e a CBS, para famílias de baixa renda de forma personalizada.

A personalização da tributação sobre consumo não é exatamente uma novidade e já foi implementada em países como o Japão e o Canadá. Inclusive, já existe no Brasil e foi criada por um programa instituído no estado do Rio Grande do Sul, o "Devolve ICMS".

A ideia é reduzir a regressividade da tributação quando pensada em relação a famílias de baixa renda. E o que isso significa?

O termo "regressividade" se refere ao impacto da alíquota de um tributo em face da capacidade contributiva do pagador.

Quanto menor for a capacidade do contribuinte de arcar com aquele tributo em razão de sua situação financeira, maior será o impacto deste pagamento em suas finanças de modo geral e mais regressivo ele será considerado.

No Brasil, a tributação sobre consumo é altamente regressiva. Isso porque as alíquotas de cada produto variam pela natureza da mercadoria, não levando em conta seu consumidor —por exemplo, a alíquota do imposto será menor para um pacote de arroz do que para um maço de cigarro, mas sem considerar a capacidade contributiva de quem os consome.

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Nesse sentido, diversos estudos apontam que a parcela da população com os menores salários acaba sendo responsável pela maior parte dos tributos arrecadados no país, uma vez que, a maioria das famílias de baixa renda acaba destinando tudo aquilo que recebe ao consumo de bens e serviços e a base principal de tributação do país incide justamente sobre este consumo.

O tributarista Luís Eduardo Schoueri exemplifica que, se considerarmos uma alíquota de tributação sobre o consumo de 20% de forma genérica, "o contribuinte com 1 salário-mínimo destinou 20% de sua renda ao pagamento de impostos, enquanto o outro, que ganha 100 salários-mínimos, destinou 10% de sua renda ao mesmo fim."

Daí, se evidencia a regressividade da tributação: a proporção do esforço contributivo da família de baixa renda acaba sendo sempre maior do que o da família que recebe mais.

Assim, a lógica por trás do "cashback" é direcionar um benefício fiscal de forma personalizada para quem mais precisa. Ao invés de reduzir a alíquota de alguns alimentos, o que atingirá todos os consumidores de modo genérico, o "cashback" irá devolver aos contribuintes mais pobres os valores dos impostos pagos por eles.

Nesse sentido, o projeto de regulamentação aprovado pela Câmara definiu que o IBS e a CBS pagos por pessoas físicas integrantes de famílias de baixa renda serão devolvidos, desde que preencham os seguintes requisitos: possuírem renda familiar per capita até meio salário-mínimo, serem residentes em território nacional e estarem inscritos no CPF. Ainda, de acordo com o projeto, a devolução será automática e os dados serão extraídos dos cadastros do próprio governo, como o CadÚnico.

Em relação às alíquotas, o percentual a ser aplicado será de 100% de devolução da CBS e 20% do IBS para aquisição de botijões de gás e fornecimento de eletricidade, esgoto, água e gás natural. Para as demais compras, a devolução será de 20% para o IBS e para a CBS. Cada ente federativo poderá fixar percentuais maiores se desejar.

Apesar de detalhar melhor alguns pontos, ainda falta bastante informação para que a implementação do programa de devolução do imposto seja viável e funcional. De acordo com o projeto, caberá à Receita Federal criar normas para definir os procedimentos e a sistemática deste pagamento.

Muitas pesquisas apontam que o "cashback" tributário é uma saída efetiva para assegurar um sistema tributário mais justo e, de fato, se bem implementado, poderá surtir grande efeito para proteção do mínimo vital e da dignidade de famílias de baixa renda.

Todavia, não deixa de ser necessário observar que a implementação do "cashback" não é o suficiente para assegurar a justiça social e, apesar de o ideal ser louvável, ainda é necessário garantir uma organização orçamentária eficiente por parte do governo.

Isso porque, diferentemente da restituição do Imposto de Renda ou dos ressarcimentos de impostos em razão de pagamento indevido ou a maior, em que é mantida a relação entre o valor pago e o restituído ou ressarcido, o "cashback" configura uma abdicação do valor recolhido que será devolvido ao contribuinte, mas que, legalmente, pertenceria ao Estado —não se trata de uma não incidência imediata no momento da compra e, sim, possivelmente, de uma devolução posterior de um valor acumulado.

Afinal, o "cashback" tributário possui uma premissa admirável como política social para mitigação da regressividade. Todavia, sua forma de funcionamento ainda é meramente uma ideia permeada de questionamentos, que demandam mais detalhes e informações orçamentárias, a fim de que esta devolução não implique no repasse indireto deste custo aos demais contribuintes ou, ainda, na inviabilização do seu funcionamento prático.

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