O novo ciclo de alta dos juros promovido pelo Banco Central contratou uma desaceleração do crédito do Brasil, mas ainda assim os bancos projetam um aumento de 9% em 2025.
A dúvida agora é se a piora acelerada das condições financeiras neste fim de ano, na esteira do mau humor com o pacote de contenção de gastos do governo Lula, irá continuar e retirar ainda mais fôlego do crédito após a surpresa positiva de 2024.
A avaliação dos bancos é que um complemento do pacote com novas medidas, no início de 2025, poderá afastar o risco de uma desaceleração mais forte do dos financiamentos ao longo do próximo ano.
Em meio ao cenário mais turbulento, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) fez novas pesquisas junto a seus associados e vai divulgar a nova estimativa de alta de 9% do crédito e outros dados do setor, no próximo dia 2.
"Não é um tombo. O número que a gente está vendo hoje é uma acomodação", disse à Folha Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban. Para 2024, a entidade estima que as concessões fechem o ano com expansão em torno de 11%. Mesmo com a alta dos juros, os bancos continuarão expandindo os financiamentos, mas evitando linhas mais arriscadas.
Para Sardenberg, o risco associado ao cenário traçado é o cenário fiscal. "Se a gente trabalhar com um cenário em que haja uma piora relevante do ponto de vista da expectativa em relação ao que tem de fiscal, a economia provavelmente vai crescer menos, o juro precisa ser mais alto e o crédito pode crescer menos", alerta.
Se, ao contrário, as expectativas fiscais melhorarem, podem haver surpresas no segundo semestre do ano que vem, avalia o economista.
O cenário econômico usado para as novas projeções leva em consideração um crescimento de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2025, com os juros subindo mais do que os 14,25% já sinalizados pelo BC (Banco Central), começando a cair até o final de 2025.
"A economia está recuando em relação a 2024, mas não é um recuo muito forte", diz Sardenberg. A queda do crédito será maior no chamado segmento livre (com taxas de juros livremente pactuadas entre as instituições financeiras e os seus clientes). Para esse grupo, a estimativa é de um crescimento de 8,3%.
Folha Mercado
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As taxas de inadimplência têm sido também mais favoráveis, com melhora nos financiamentos para pessoas físicas e empresas, a partir de 2023, ficando estabilizada agora em patamares mais baixos. Mas a alta dos juros e a inflação mais elevada são fatores que podem mudar o panorama.
No campo fiscal, uma das preocupações dos analistas do mercado financeiro é que o presidente Lula coloque o pé no acelerador do crédito com a adoção de medidas parafiscais (fora do Orçamento) para contrapor os efeitos negativos da alta de juros no PIB (Produto Interno Bruto).
Durante evento de fim de ano com jornalistas em Brasília, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, descartou esse caminho.
"Não pretendo fazer nenhuma política de estímulos parafiscal, não está em nossa ordem de considerações. Eu acredito que esse ciclo de alta dos juros vai fazer um efeito muito rápido na economia", assegurou.
O diretor de Economia, Regulação e Produtos da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), Everton Gonçalves, prevê uma alta de 10,5%, em 2024 e um recuo para 9,1% no ano que vem. "Ainda não sabemos exatamente o impacto desse momento que estamos vivendo de extrema volatilidade, elevação das taxas de juros que compõem a fonte de recursos das instituições financeiras", diz.
Segundo ele, o cenário econômico deste fim de ano com a escalada do dólar é uma ducha de água fria em relação a 2024. "Muita coisa que estava sendo prevista para emissão [de papéis no mercado de capitais] este ano certamente foi represada, dadas condições e preços", diz o porta-voz da ABBC, que representa 128 instituições financeiras nacionais e estrangeiras de vários tamanhos.
Para a ABBC, as medidas em estudo no GT (Grupo de Trabalho) criado pelo presidente Lula para reduzir o custo do spread bancário devem ajudar neste momento da economia de desaceleração do crédito.
O spread bancário é a diferença entre os juros cobrados pelos bancos ao emprestar dinheiro e os juros pagos para captar os recursos.
"São discussões que tentam trazer o spread bancário para níveis mais compatíveis com os padrões internacionais. Tem vários pontos ali que estão sendo discutidos, que se forem viabilizados serão extremamente importantes", diz o porta-voz da ABBC.
Entre as medidas, ele cita a necessidade de mudança no teto de juros do consignado dos beneficiários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para acompanhar a alta de juros promovida pelo BC.
"As margens das instituições financeiras estão muito apertadas, até negativas em algumas situações, o que tende a reduzir a oferta de crédito. Essa modalidade de crédito, que é um escape nos momentos de crise, pode estar prejudicada nesse momento", avalia.
Para o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, é natural que o aperto monetário do BC provoque uma desaceleração do crédito porque ele é um dos canais de transmissão da política monetária.
Mas ele pondera, no entanto, que a agenda de barateamento do custo dos financiamentos vai avançar para reduzir o custo de intermediação bancária e o de captação para as empresas em relação à taxa básica de juros.
"Não podemos confundir aspectos conjunturais com os estruturais. Estamos avançando e continuaremos avançando numa agenda estrutural de redução do custo de crédito, que é um legado que a gente quer deixar para a sociedade no longo prazo", diz Pinto, que é coordenador técnico do grupo de trabalho.
O foco do GT está concentrado na redução do spread para as pessoas físicas. É nesse segmento que ele continua elevado. Segundo Pinto, o governo aposta na implementação do consignado privado em 2025 para reduzir os custos para a pessoa física.
"O governo certamente vai ser cuidadoso na fixação do teto [do consignado privado] para que ele não iniba o desenvolvimento do produto. Tudo o que a gente não quer é que o trabalhador deixe de pegar, os bancos deixem de ofertar esse produto novo, e continuem ofertando para a mesma pessoa produtos mais caros", afirma.
No BC, os dados apontam que o ciclo de juros vão provocar uma redução na concessão de crédito ao longo de 2025. Mas há uma uma avaliação na autoridade monetária de que o peso da atividade econômica, da resiliência do consumo e da demanda das famílias, é muito mais relevante do que a taxa Selic nesse quesito. Isso porque o nível de taxa de juros que as famílias pagam é muito mais alto comparativamente à Selic.
O futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, já sinalizou que não vai adotar medidas de liberação de compulsórios para estimular o crédito. A avaliação é que não faria sentido o BC subir os juros de um lado e liberar recursos dessa forma para compensar o aperto do Selic.