Divisões partidárias estão tão acentuadas que pode parecer que as pessoas estão experimentando realidades completamente diferentes. E talvez elas estejam mesmo, de acordo com a neurocientista e psicóloga política Leor Zmigrod, da Universidade de Cambridge.
Em seu novo livro, "The Ideological Brain: The Radical Science of Flexible Thinking" (o cérebro ideológico: a ciência radical do pensamento flexível, ainda sem edição em português), ela explora as evidências de que a fisiologia e a biologia do cérebro ajudam a explicar não apenas por que as pessoas são propensas a seguir uma ideologia mas também como elas percebem e compartilham informações.
O que é ideologia?
É uma narrativa sobre como o mundo funciona e como deveria funcionar. Isso poderia ser o mundo social ou o mundo natural. Mas não é apenas uma história: tem prescrições rígidas sobre como devemos pensar, agir e interagir com outras pessoas. Uma ideologia condena qualquer desvio das regras prescritas.
A senhora escreve que essa forma de pensar pode ser tentadora. Por quê?
As ideologias satisfazem a necessidade de tentar entender o mundo, de explicá-lo. E elas satisfazem nossa necessidade de conexão, de comunidade, de sentir que pertencemos a algo.
Também há uma questão de recursos. Explorar o mundo é cognitivamente caro, e apenas explorar padrões e regras conhecidas pode parecer ser a estratégia mais eficiente.
Além disso, muitas pessoas argumentam —e muitas ideologias tentarão lhe dizer isso— que aderir às regras é a única maneira correta de viver e de viver moralmente.
Na verdade, eu abordo isso de uma perspectiva diferente: as ideologias amortecem nossa experiência direta do mundo. Elas limitam nossa capacidade de nos adaptar ao mundo, de entender evidências, de distinguir entre evidências confiáveis e não confiáveis. Ideologias raramente são boas.
No livro, a senhora descreve pesquisas que mostram que pensadores que seguem um viés ideológico podem ser narradores menos confiáveis. Pode explicar isso?
Surpreendentemente, podemos observar esse efeito em crianças.
Na década de 1940, a psicóloga Else Frenkel-Brunswik, da Universidade da Califórnia, Berkeley, entrevistou centenas de crianças e testou seus níveis de preconceito e autoritarismo, por exemplo, se elas defendiam a conformidade e a obediência ou o jogo e a imaginação.
Quando as crianças ouviam uma história sobre novos alunos em uma escola fictícia e eram solicitadas a recontar a história depois, havia diferenças significativas no que as crianças mais preconceituosas lembravam, em comparação com as crianças mais liberais.
Crianças liberais tendiam a lembrar com mais precisão a proporção de traços desejáveis e indesejáveis nos personagens da história; suas memórias possuíam maior fidelidade à história conforme havia sido contada originalmente.
Em contraste, crianças que pontuaram alto em preconceito se desviaram da história; elas destacaram ou inventaram traços indesejáveis para os personagens de minorias étnicas.
Assim, as memórias das crianças mais ideologicamente inclinadas incorporaram ficções que confirmavam seus preconceitos pré-existentes. Também houve uma tendência de ocasionalmente repetir frases e detalhes isolados, imitando rigidamente o contador de histórias.
Pessoas que são propensas a seguir uma ideologia absorvem menos informações?
As pessoas mais propensas a seguir um pensamento ideológico tendem a resistir a mudanças ou nuances de qualquer tipo. Podemos testar isso com quebra-cabeças visuais e linguísticos. Por exemplo, em um teste, pedimos a elas para classificarem cartas de baralho de acordo com várias regras, como naipe ou cor. Mas de repente elas aplicam a regra e não funciona. Isso ocorre porque, sem o conhecimento delas, mudamos a regra.
As pessoas que tendem a resistir ao pensamento ideológico são adaptáveis, então, quando há evidências de que as regras mudaram, elas mudam seu comportamento. As que seguem um pensamento ideológico, quando encontram a mudança, resistem. Eles tentam aplicar a regra antiga mesmo que não funcione mais.
Em um estudo, a senhora descobriu que pessoas que seguem uma ideologia e as que não o fazem parecem ter diferenças fundamentais no circuito de recompensa de seus cérebros. Pode descrever essas descobertas?
Em meus experimentos, descobri que as pessoas mais inflexíveis têm predisposições genéticas relacionadas à forma como a dopamina é distribuída em seus cérebros.
Eles tendem a ter níveis mais baixos de dopamina em seu córtex pré-frontal e níveis mais altos de dopamina em seu estriado, uma estrutura-chave no mesencéfalo em nosso sistema de recompensa que controla nossos instintos rápidos. Portanto, nossas vulnerabilidades psicológicas a ideologias podem estar fundamentadas em diferenças biológicas.
De fato, descobrimos que pessoas com diferentes ideologias têm diferenças na estrutura física e função de seus cérebros. Isso é especialmente pronunciado em redes cerebrais responsáveis pela recompensa, processamento emocional e monitoramento quando cometemos erros.
Por exemplo, o tamanho de nossa amígdala —a estrutura que governa o processamento de emoções, especialmente emoções com conotação negativa como medo, raiva, repulsa, perigo e ameaça— está ligado a se mantemos ideologias mais conservadoras que justificam tradições e o status quo.
Qual a sua avaliação disso?
Alguns cientistas interpretaram essas descobertas como o reflexo de uma afinidade natural entre a função da amígdala e a função das ideologias conservadoras. Ambas giram em torno de reações vigilantes a ameaças e do medo de serem dominadas.
Mas por que a amígdala é maior em conservadores? As pessoas com uma amígdala maior tendem a se inclinar mais para ideologias conservadoras porque sua amígdala já está estruturada de uma maneira mais receptiva às emoções negativas que o conservadorismo evoca? Ou a imersão em uma determinada ideologia pode alterar nossa bioquímica emocional de uma forma que leva a mudanças estruturais no cérebro?
A ambiguidade em torno desses resultados reflete um problema: nossos cérebros determinam nossa política, ou as ideologias podem mudar nossos cérebros?
Podemos mudar?
Você tem a capacidade de escolher o quão apaixonadamente adota essas ideologias ou o que rejeita ou o que não aceita.
Acredito que todos nós podemos mudar em termos de nossa flexibilidade. Obviamente é mais difícil para pessoas com vulnerabilidades genéticas ou biológicas em relação ao pensamento inflexível, mas isso não significa que seja impossível mudar.
Raio-X
Leor Zmigrod
Psicóloga política e neurocientista, é doutora pela Universidade de Cambridge. Autora de "Ideological Brain" (Henry Holt & Company, 2025).