O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, descartou a adoção de medidas parafiscais de estímulo ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), caso haja um cenário recessivo da economia.
O risco de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colocar o pé no acelerador do crescimento adotando esse tipo de ação para chegar competitivo às eleições de 2026 é uma das principais preocupações no debate econômico atualmente.
O temor aumentou depois da alta mais forte da taxa Selic na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central.
"Não pretendo fazer nenhuma política de estímulos parafiscal, não está em nossa ordem de considerações. Eu acredito que esse ciclo de alta dos juros vai fazer um efeito muito rápido na economia", disse Haddad durante entrevista na manhã desta sexta-feira (20) a jornalistas que fazem a cobertura jornalística do Ministério da Fazenda, em Brasília.
Medidas parafiscais são aquelas adotadas fora do Orçamento para injetar mais recursos na economia e, dessa forma, estimular o consumo e os investimentos com o intuito de acelerar o crescimento.
Uma ação desse tipo teria uma direção contrária aos efeitos do aperto de juros realizado pelo BC, que quer esfriar a economia para controlar a alta da inflação e fazê-la convergir para meta de 3%.
Na reunião de dezembro, o BC surpreendeu com uma alta de 1 ponto percentual dos juros, de 11,25% para 12,25% ao ano, e sinalizou mais dois aumentos da mesma magnitude nas próximas reuniões do Copom. Se esse cenário se confirmar, a taxa Selic vai a 14,25%.
"Se essa atividade econômica responder e a trajetória [de inflação] ser de queda no futuro próximo, o próprio BC vai calibrar a trajetória da taxa de juros para acomodar esse tipo de efeito", disse Haddad.
Questionado novamente pelos jornalistas se ficaria confortável de ver a atividade desacelerar e não partir para uma reação mais forte para tentar recuperar o crescimento, o ministro respondeu: "Nos parâmetros que estamos trabalhando...estamos trabalhando com parâmetros aceitáveis."
Ele lembrou que já se previa uma desaceleração para o ano que vem e citou que a projeção de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) para 2025 é de 2,5%, valor que está previsto no Orçamento do governo federal. "Já é 1% abaixo do que vamos deixar neste ano. Essa desaceleração já estava mais ou menos contratada", disse.
Haddad contou que, no meio da crise, aproveitou para conversar com dirigentes de vários bancos, e a maioria deles está projetando, para o ano que vem, inflação menor do que em 2024.
"Tem casa [bancária] colocando mais de 5% de inflação, mas os grandes bancos, não. Vamos ver como evoluem as medidas que foram tomadas agora [de redução de gastos] que vão ter efeito sobre demanda também, e o juro vai reduzir demanda também", afirmou.
Nas duas horas de entrevista, o ministro falou sobre economia e também política. Logo na primeira pergunta, foi questionado se teria cogitado pedir demissão devido às dificuldades em negociar as medidas de corte de gastos.
"Não cogitei deixar o cargo. Nem sei por que estão fazendo essa pergunta", afirmou. Ele acrescentou que o Ministério da Fazenda tem a legítima tarefa de buscar essas medidas e ponderou que é preciso buscar o equilíbrio fiscal tanto pelo lado do aumento das receitas como das despesas.
O ministro também afirmou que não se vê como candidato à Presidência da República nas eleições de 2026. "Não me entendo como candidato em 2026", respondeu quando instado a comentar o resultado da pesquisa Quest, divulgada na semana passada. A pesquisa apontou que Lula e o ministro da Fazenda lideram a corrida eleitoral em todos os oito cenários testados.
Haddad descartou ainda o envio do projeto que aumenta a faixa de isenção do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) até R$ 5.000 e cria uma taxação mínima para os milionários. Disse que a Receita ainda faz ajustes e garantiu um amplo debate na sociedade. Segundo ele, a reforma da renda será enviada em 2025 ao Congresso em um ou mais projetos de lei.
Veja principais trechos da entrevista
Isenção do IR até R$ 5 mil 2025
"Não mandamos neste ano porque, quando rodamos o modelo, observamos a necessidade de uma recalibragem daquilo que estava previsto em relação ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica [IRPJ]. Tem um dispositivo previsto que faz essa calibração em relação ao IRPF [Imposto de Renda da Pessoa Física]. Quando rodamos o modelo percebemos uma inconsistência. A Receita está refazendo o modelo para corrigir", disse Haddad.
"De qualquer maneira, não é para votar neste ano. Não tínhamos a pretensão de votar a reforma da renda em uma semana. A ideia é usar o ano de 2025 para abrir o debate sobre o Imposto de Renda. Não é só isenção. Tem uma série de outras coisas que têm que ser consideradas. Queremos neutralidade, que a arrecadação fique estável. Queremos corrigir as distorções e há muitas."
Risco de fazer só a desoneração
"A preocupação é tanta que o presidente Lula chamou os presidentes [do Senado, Rodrigo] Pacheco e [da Câmara] Arthur Lira, firmando que a reforma da renda só seria feita na condição de um acordo na sua neutralidade. O governo não pretende votar um texto que não seja neutro."
Sem mudança no arcabouço fiscal
Haddad defendeu o fortalecimento dos parâmetros do arcabouço fiscal. "Eles não foram alterados. Não há intenção de alterar. O trabalho que está sendo feito é de garantir que esses parâmetros sejam sólidos para que a convergência entre as receitas e despesas aconteça mais rapidamente possível para reconstruir o superavit primário, sem comprometer demasiadamente a atividade econômica."
Pressão sobre o BC
"Uma coisa é o comentário do ministro, do deputado, senador, vice-presidente, do presidente sobre o nível da taxa de juros. A outra coisa muito diferente é pressão, quando se desrespeita a institucionalidade", disse o ministro da Fazenda.
Haddad negou ter atuado sem respeito à institucionalidade na gestão de Roberto Campos Neto. "Isso nunca aconteceu. Numa democracia as pessoas falam. Do mesmo jeito que um pede corte de gastos, outro pede queda de juros e outro pede aumento do gasto. O presidente Lula termina o seu 10º ano de mandato e acredito que ele nunca foi acusado por nenhum presidente do BC [de desrespeito à institucionalidade]."