Com mais de 102 milhões de brasileiros com algum tipo de privação de saneamento, o setor ganha relevância na agenda do governo federal. Segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022, das 49 milhões de pessoas sem coleta de esgoto em suas casas, aproximadamente 70% são pretos, pardos ou indígenas —grupos que somam cerca de 55% da população.
Esses mesmos segmentos têm menor representação em cargos de alta liderança no setor, de acordo com o Diversidade nas Empresas, elaborado pelo Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) em parceria com a Folha.
A empresa de destaque na categoria de Água e Saneamento, a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), dá indícios de mudanças dessa realidade. Pretos, pardos e indígenas são 50% dos cargos do conselho fiscal e 37,5% da diretoria, segundo o levantamento.
O estudo FGV/Folha avaliou a participação de mulheres e de pretos, pardos e indígenas em cargos de média liderança, diretoria e conselho de administração e fiscal de companhias de capital aberto que declararam as informações à CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O recorte compreendeu companhias de 100 a 4.999 funcionários e com mais de 5.000 colaboradores, além de utilizar dados de 2023.
Os números da empresa ainda podem melhorar, segundo Daniel Portela, gerente de pessoas da estatal cearense.
No caso da alta gestão, a diversidade permite olhares e análises diferentes sobre o negócio, que podem ajudar a companhia a alcançar resultados mais rapidamente ou com maior efetividade
"Estamos com a contratação de uma consultoria especializada em diversidade em andamento para realizar um plano de ação para fomentar a diversidade racial internamente", diz.
A companhia também estimula o crescimento das mulheres com um projeto que desenvolve lideranças femininas. "Hoje sabemos que em diversas organizações as mulheres como protagonistas e líderes conseguem trazer resultados extraordinários para as empresas."
Para Renata de Faria Rocha, coordenadora-geral do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e Saneamento), o setor ainda não estabeleceu um compromisso pela igualdade étnico-racial e de gênero.
"Discutimos questões básicas, como o direito da população pobre ter acesso à tarifa social de água e esgoto. Prestadores de serviços de saneamento reclamam que não houve tempo de adaptação e que isso vai acarretar custos. O setor elétrico resolveu isso há 20 anos, mas o saneamento não para de reclamar, quando deveria fazer o que é certo", afirma.
Rocha acrescenta que é fundamental aumentar a presença de mulheres e homens negros e indígenas em posições de liderança. "Assim, caminharemos para uma situação de oportunidades realmente iguais. Neste setor, as mulheres precisam ocupar mais cargos técnicos e de decisão."
Para a coordenadora, ter pessoas negras na alta hierarquia inspira outras a sonhar, "faz parte de um pacto social". E contar com mais indígenas nos espaços de trabalho "permitiria que as soluções técnicas de saneamento fossem mais abrangentes e sustentáveis", completa.
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Na visão do professor Marcelo Nolasco, do programa de pós-graduação em sustentabilidade da EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), a erradicação das desigualdades no acesso à água e ao saneamento "é crucial para alcançar a universalização desses serviços, um dos objetivos da Agenda 2030 da ONU. Da mesma forma, garantir o acesso universal a esses recursos é um componente vital na luta por equidade e justiça social".
O docente, que também lidera um grupo de pesquisa sobre água, saneamento e sustentabilidade, afirma que existe ainda uma disparidade na formação, com "menos mulheres optando por disciplinas como ciência e engenharia, áreas fundamentais para carreiras em água e saneamento", diz.
"Mesmo quando mulheres entram nesses campos, enfrentam discriminação e estigma. Frequentemente, isso inclui a ausência de instalações básicas no ambiente de trabalho, como banheiros exclusivos."
A representatividade feminina e de pretos, pardos e indígenas no setor é minoria, "refletindo desigualdades históricas", diz Maria Eunice de Jesus, coordenadora-executiva da ASA (Articulação Semiárido Brasileiro). Por outro lado, a diversidade promove tomadas de decisão mais inclusivas e eficazes, além de ajudar a combater discriminações, afirma. "Mulheres e grupos étnicos diversos trazem experiências e visões únicas para resolver problemas complexos."
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Enquanto isso, o governo trabalha para estabelecer as metas do novo Marco Legal do Saneamento Básico, cujo objetivo é, até 2033, atender 99% da população com abastecimento de água e 90% com esgotamento sanitário.
Conheça a empresa de destaque na categoria Água e Saneamento
As notas de participação feminina e de pretos, pardos e indígenas, que vão de 0 a 100, foram calculadas levando em consideração a presença dos grupos em cargos de alta e média liderança. Os autores do estudo deram pesos diferentes para cada uma das categorias analisadas: enquanto diretoria e conselho de administração têm peso maior, uma vez que os membros têm maior poder decisório, a média liderança e o conselho fiscal têm peso menor.
CAGECE
Fundação 1971
Funcionários cerca de 5.000 (em 2024)
Participação de pretos, pardos e indígenas 34,49
Participação feminina 20,46
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