Galípolo chama Campos Neto de amigo e diz ser grato a atual presidente do BC

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Afagos mútuos e recados ao governo e ao mercado financeiro marcaram a passagem informal de bastão de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo, o escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para conduzir o Banco Central pelos próximos quatro anos.

Campos Neto abriu a sua última entrevista à frente do BC, nesta quinta-feira (19), lendo um texto escrito com antecedência, com a mensagem de que a primeira transição após a lei da autonomia entrar em vigor foi suave e bem-sucedida, apesar do clima de polarização e das críticas.

Já no início, o atual presidente do BC, que deixa o cargo na virada do ano, disse que na decisão de elevar a taxa básica de juros (Selic) de 11,25% para 12,25%, na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), foi dado um peso maior para o voto de Galípolo e dos atuais diretores indicados por Lula.

Uma estratégia, segundo ele, que foi traçada para dar cada vez mais peso à opinião dos novos diretores, visto que as decisões de agora no BC vão ter impacto no futuro.

"Essa foi a tônica das últimas duas reuniões. Quero dizer que o peso dele foi sendo cada vez maior do que o meu até culminar na última reunião. Nós entendíamos que isso facilitava a passagem de bastão", disse Campos Neto, que ao longo dos dois anos do governo Lula foi alvo de críticas do presidente Lula e de petistas.

Galípolo fez elogios. "Roberto, a casa é sua. O BC vai estar sempre de portas abertas a você. Sou muito grato ao que você fez pela política monetária do país, por essa casa e por todos nós", afirmou o futuro presidente do BC. "Foi uma transição entre amigos mesmo, muito amistosa, e o Roberto foi muito generoso mesmo nesse processo de passar de bastão ao longo do processo", acrescentou.

Campos Neto deixa informalmente o cargo nesta sexta (20), entregando o comando da instituição em um delicado ciclo de alta da Selic e de avanço da inflação com a demanda aquecida. Galípolo fica interinamente no cargo e assume efetivamente a presidência do BC a partir de 1º de janeiro.

Conforme combinado previamente, o tradicional café de fim de ano da diretoria com jornalistas, que fazem a cobertura do BC, e a entrevista do último relatório de inflação do ano seriam a ocasião para uma espécie de transição de comando.

Os dois eventos, no entanto, coincidiram com um momento de tensão no mercado financeiro, que levou o BC a fazer uma intervenção recorde no mercado de câmbio.

Nesta quinta (19), a autoridade monetária injetou US$ 8 bilhões para fornecer liquidez ao mercado, após a moeda norte-americana amanhecer em alta e bater R$ 6,30, em meio às incertezas com o processo de desidratação pelo Congresso do pacote de contenção de despesas do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Durante o leilão surpresa (o segundo do dia), entre 10h35 e 10h40, Galípolo e Campos Neto já estavam no encontro informal com a imprensa. O futuro presidente do BC ficou de olho no celular, acompanhando os desdobramentos do leilão.

Num certo momento, Galípolo chamou Campos Neto para o fundo da sala. Os dois acertaram o resultado do leilão, que aceitou dez propostas para injetar no total US$ 5 bilhões no mercado.

A cena chamou a atenção porque o clima, embora amistoso, era de tensão em meio aos acontecimentos dos últimos dias que desencadearam a disparada persistente do dólar e boatos no mercado.

Intencionalmente ou não, a "reunião" dos dois para decidir o leilão serviu para mostrar que no auge da disparada do dólar a dupla atuou em parceria na intervenção de câmbio.

No estresse dos últimos dias, um dos boatos que surgiu foi de que Campos Neto teria demorado propositadamente para agir para colocar Galípolo no fogo. O futuro presidente do BC é hoje diretor de Política Monetária, área responsável pela atuação no câmbio.

Outro boato que ganhou força pela manhã foi que o BC poderia realizar uma reunião extraordinária do Copom para subir novamente os juros. Ambos os boatos foram desmentidos por Galípolo na entrevista coletiva.

"A barra é muito alta", respondeu Galípolo ao explicitar que o BC estava bastante confortável com o guidance (sinalização futura de juros) de mais duas altas da Selic, de 1 ponto porcentual cada, nas próximas reuniões do BC. "Eu sou bem apegado ao guidance", reforçou.

Os dois afinaram o discurso de que a instituição não tem um patamar de câmbio na mira com a venda de dólares. Ou seja, reduzir a cotação da moeda americana. A intenção das vendas de dólares com recursos das reservas internacionais, disserem, é garantir liquidez aos agentes econômicos, que nesse época do ano está mais forte do que o previsto.

Não arriscaram prever se a moeda ficará no patamar acima de R$ 6 por um tempo mais prolongado e nem revelar quanto o BC calcula que é a demanda do mercado por mais dólares para enviar para o exterior até o fim do ano. Essa referência tem sido usada pelo BC para atuar no câmbio vendendo a moeda americana.

"Não vamos dar guidance de câmbio", respondeu Galípolo sobre o fluxo de saída de dólares que o BC espera.

Quanto à questão fiscal, Galípolo e Campos evitaram falar sobre que tipo de ajuste seria o necessário para estancar a crise de confiança na política do governo, que tem levado à espiral negativa das condições financeiras do mercado.

Eles prefiram reforçar que essa é a percepção do mercado e que é isso que o BC leva em consideração. O diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, citou o resultado do questionário pré-Copom de dezembro, que mostrou que a questão fiscal piorou na opinião de cerca de 80% dos entrevistados.

Sobre as medidas de corte de despesas, consideradas tímidas pelo mercado, Galípolo reforçou que o trabalho de ajuste fiscal é contínuo. Repetiu a frase que tem sido usada por Haddad desde que o pacote anunciado não convenceu: "Não tem bala de prata."

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