Em um final de tarde abafado, caminhões, carros e ônibus formam fila de quase dois quilômetros em um dos sentidos da BR-386, no município gaúcho de Lajeado, no Vale do Taquari (a 120 km de Porto Alegre).
O congestionamento ainda tem relação com as enchentes que causaram destruição no Rio Grande do Sul há oito meses, na passagem de abril para maio.
À época, a cheia histórica do rio Taquari danificou a ponte da rodovia que conecta Lajeado ao município vizinho de Estrela, forçando uma reforma na estrutura.
A obra provoca retenções no trânsito e deve ser finalizada até março de 2025, segundo a previsão da concessionária CCR ViaSul, responsável pela BR-386.
O trecho é um dos exemplos dos gargalos logísticos causados pela tragédia ambiental, que ainda dificulta o escoamento de mercadorias da indústria no Vale do Taquari, além do transporte de pessoas.
A menos de dez quilômetros dali, a enxurrada do primeiro semestre arrancou uma ponte sobre o rio Forqueta, na rodovia ERS-130, que conecta Lajeado a Arroio do Meio.
Uma nova travessia está em construção entre os dois municípios. O término da obra estava previsto para o final de dezembro, mas atrasou e foi postergado para 29 de março, conforme a estatal EGR (Empresa Gaúcha de Rodovias), responsável pela ERS-130.
Enquanto a nova ponte não fica pronta, caminhões usam uma travessia provisória do Exército. O tráfego ocorre em apenas um sentido por vez, o que pode gerar filas de mais de uma hora em períodos de pico, segundo relatos de empresários locais.
Para acessar a estrutura temporária, também é necessário utilizar uma estrada de terra, sem asfalto, em um desvio da ERS-130.
"A gente muitas vezes pensa em crescer, tem a oportunidade de mercado, mas há uma preocupação porque aumentou muito o custo do transporte", diz Gilberto Piccinini, presidente do conselho de administração da cooperativa Dália Alimentos, que fabrica produtos lácteos, carne de frango e cortes suínos.
A sede da Dália fica em Encantado, município ao lado de Arroio do Meio que também aguarda a construção da nova ponte da ERS-130. "Um caminhão que fazia quatro viagens no dia, hoje faz duas", afirma Piccinini.
Segundo ele, o custo de produção subiu cerca de 10% com a dificuldade logística gerada pelas enchentes. A cooperativa emprega em torno de 2.700 funcionários e vende para clientes dentro e fora do Brasil.
"Diria que a principal dificuldade, no momento, é a logística. A segunda maior é a falta de mão de obra", afirma.
De acordo com o presidente, a cooperativa tinha em torno de 200 vagas de trabalho abertas em novembro, considerando também outros negócios em que está inserida, além da indústria.
"Com as enchentes, muitas pessoas se assustaram e foram embora. Diminuiu a oferta de imóveis e aumentou o preço do aluguel. Não é um problema só nosso", afirma.
Em uma tentativa de amenizar o impacto da falta da ponte na ERS-130, a EGR trabalha na construção de uma segunda travessia emergencial, perto da estrutura do Exército que já está em operação.
A "passagem molhada", como é chamada, fica mais próxima do nível do rio Forqueta.
A ideia é que a travessia permita o fluxo de veículos de Lajeado para Arroio do Meio. Assim, a ponte provisória do Exército poderá ser utilizada exclusivamente por motoristas que trafegarem no sentido contrário, de Arroio do Meio para Lajeado.
O funcionamento da nova estrutura, contudo, dependerá do nível do rio. Quando houver uma elevação superior a dois metros acima do nível normal, o fluxo de veículos poderá ser interrompido, diz a EGR. A estatal ainda não confirma a data da inauguração.
O Vale do Taquari é um dos polos industriais gaúchos. Um dos setores com forte presença local é o de alimentos.
Aline Eggers Bagatini, coordenadora do APL (Arranjo Produtivo Local) Alimentos e Bebidas do Vale do Taquari, afirma não ter dúvidas de que a logística complicada ainda é o principal gargalo deixado pelas enchentes para as fábricas.
Ela também considera que a migração após a tragédia dificulta as contratações na região, mas diz que o setor é "bastante resiliente" e não desistiu dos negócios.
"O primordial é a questão logística", afirma. "O vale é totalmente dependente de rodovias."
Aline é diretora-presidente da Bebidas Fruki, uma indústria centenária do Rio Grande do Sul. Além de atender o estado, a empresa também está presente no mercado catarinense –o carro-chefe é um refrigerante sabor guaraná.
A matriz da Fruki fica em Lajeado, às margens da BR-386 e perto da ponte em obra que conecta a cidade ao município vizinho de Estrela. Para driblar a lentidão no trânsito, a empresa ajustou suas operações.
Logo após a tragédia das chuvas, levou parte da produção para uma fábrica que ainda estava em fase inicial de implantação no município de Paverama (a 33 km de Lajeado).
Essa unidade também fica às margens da BR-386, mas não é afetada pelas obras da ponte sobre o rio Taquari e está mais próxima da capital gaúcha.
"Nossa sorte é que tínhamos essa planta em início de operação. Sem ela, teríamos muitas dificuldades", afirma Júlio Nascimento, diretor industrial da Fruki.
"Jogamos o volume maior para cá [Paverama], para atender os clientes e toda a parte da Grande Porto Alegre. A saída de Lajeado ficou muito lenta. Vender, até se vende pelo telefone. Mas entregar [o produto] é só com o caminhão", acrescenta.
A BR-386, cujo nome é rodovia Governador Leonel de Moura Brizola, liga o norte do Rio Grande do Sul à região metropolitana de Porto Alegre. O Vale do Taquari fica no meio do caminho.
Além de escoar produtos da indústria, a estrada também desempenha papel relevante no transporte de mercadorias agrícolas. Não à toa, é chamada popularmente de rodovia da produção.
No início de dezembro, a concessionária CCR ViaSul anunciou uma nova etapa da reforma da ponte entre Lajeado e Estrela, com o reforço das fundações que dão sustentação à travessia.
A empresa também disse que segue dedicada a promover a segurança e a fluidez no trecho.
"Ainda assim, orienta aos motoristas para que programem seus trajetos de forma a evitar imprevistos durante o período de execução das obras emergenciais que exigem restrição de faixas", afirmou.
No caso da ERS-130, entre Lajeado e Arroio do Meio, a EGR fez uma contratação emergencial para a construção da ponte definitiva, que substituirá a antiga travessia, arrancada pelo rio Forqueta.
O atraso na previsão de término da obra está associado principalmente a questões climáticas, segundo Luís Fernando Vanacôr, diretor-presidente da empresa pública.
Nesse sentido, ele diz que o registro de mais chuvas após as enchentes dificultou os trabalhos, causando variações no nível do rio.
A nova ponte terá cinco metros a mais de altura na comparação com a estrutura antiga. O custo foi estimado em R$ 14 milhões.
"Infelizmente, tivemos um atraso. Ainda assim, estamos falando de nove meses entre projeto e execução de obra. Para a região, quanto mais rápido possível, melhor", afirma Vanacôr.
A série Reconstrução Gaúcha, publicada mensalmente no site da Folha, mostra a tentativa de reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes de proporções históricas que começaram em abril deste ano e atingiram centenas de municípios do estado. As reportagens, publicadas no fim de cada mês, mostram os desafios em áreas como agropecuária, infraestrutura e setor imobiliário e o empenho na restauração dessas atividades.