Provas do Enem dos Concursos, sobretudo as discursivas, cobraram do candidato capacidade de resolução de problemas ligados ao Estado, o que pode ajudar a captar vocação para atuar no setor público, segundo especialistas.
Mas a seleção teve avanços maiores na etapa de conhecimentos gerais, que era a mesma para os inscritos nos sete blocos para candidatos com ensino superior. Na de conhecimentos específicos, houve provas com baixo nível de dificuldade que não condizem com um exame concorrido e de alta remuneração.
O CNU (Concurso Nacional Unificado) foi o maior da história, com 2,1 milhões de inscritos e 970 mil participantes, uma abstenção de 54,12%.
Quando o edital foi lançado, em janeiro, especialistas apostavam em uma prova fora do padrão tradicional. Gabriela Lotta, professora de administração pública da FGV, afirma que o exame exigiu do candidato um conhecimento além da memorização de conteúdo, capaz de avaliar a habilidade de resolução de problemas.
"Conseguiram trazer para a prova um conjunto de questões relacionadas aos princípios constitucionais, à lógica da inclusão e de pensar para que serve a política pública, que são elementos imprescindíveis para se ter um servidor mais vocacionado", diz.
Houve textos, por exemplo, sobre etarismo e proteção de terras indígenas, que pediam interpretação do candidato para que respondesse às perguntas.
Mas as perguntas dissertativas, que têm maior potencial para identificar a vocação dos candidatos, tiveram destaque, segundo Gabriela Lotta. Essas questões, que integraram a etapa de conhecimentos gerais e variavam de acordo com o bloco, exigiram mais da capacidade de resolução de problemas e do entendimento de políticas públicas importantes para o país.
No bloco de infraestrutura, por exemplo, o candidato era apresentado a uma situação relacionada ao planejamento urbano e, a partir dela, deveria escrever um texto em dois capítulos tratando de instrumentos da política urbana e do Plano Diretor.
A atenção à saúde dos presidiários foi abordada na prova do bloco de gestão governamental. Os candidatos precisaram escrever sobre o papel de agentes penitenciários e como o controle interno e externo pode contribuir para implementação da política.
Para Fernando Coelho, professor de administração pública da USP, a fase de conhecimentos gerais representa um avanço, com perguntas bem elaboradas que exigem reflexão do candidato.
Mas o mesmo não pode ser dito da etapa de habilidades específicas, segundo o professor. Nos blocos, houve provas de baixo nível de dificuldade que afetam a seleção de novos servidores –sobretudo em carreiras com salários elevados, afirma.
As questões eram mais diretas e cobravam se o candidato sabia o conteúdo mínimo conceitual da área de especialidade. No de trabalho e saúde do servidor, por exemplo, havia uma pergunta sobre o que é vacinação de bloqueio. No de gestão governamental, uma das questões tratava do principal objetivo do governo eletrônico.
Vários temas que foram cobrados na prova, como governo digital, inteligência artificial e blockchain na gestão pública, foram abordados em reportagens publicadas em Vida Pública, da Folha.
Estão selecionando pessoas que vão começar no governo federal com salários de mais de R$ 20 mil, e há questões que não contribuem para a seleção
Na opinião do professor da USP, faltaram perguntas que colocassem o candidato em uma situação problema, que seriam capazes de captar melhor sua capacidade resolutiva. Por isso, ele diz que a prova está entre os níveis médio e fácil, o que não condiz com um certame concorrido e com vagas de remuneração elevada.
"Estão selecionando pessoas que vão começar no governo federal com salários de mais de R$ 20 mil, e há questões que não contribuem para a seleção. A prova de conhecimentos específicos deveria ter ficado pelo menos entre o nível médio e difícil."
Na opinião de Humberto Martins, professor de gestão pública da FDC (Fundação Dom Cabral), houve equilíbrio entre questões fáceis, médias e difíceis.
Para ele, o CNU representa uma inovação entre seleções públicas, mas as mudanças ainda não são suficientes, pois o processo seletivo deveria incluir outras etapas, como entrevista e análise de currículo. A aprovação do PL dos concursos na última quinta (15) é um avanço nessa direção.
"O concurso foi um grande acerto do governo Lula, mas é um pequeno passo diante da trajetória que temos, no sentido de melhorar os métodos de seleção", diz Martins.
A prova também teve índice elevado de abstenção, em que menos da metade dos inscritos compareceu. Especialistas concordam com a hipótese da ministra Esther Dweck, chefe da pasta de gestão, de que pessoas se inscreveram no concurso, mas, às vésperas do exame, não se sentiam preparadas para participar.