Em ano de lucro recorde, planos de saúde retêm R$ 5,8 bilhões de hospitais privados

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Hospitais de ponta do país tiveram em 2024 o maior montante de pagamentos retidos por planos de saúde, que totalizou R$ 5,8 bilhões. No mesmo ano, o lucro das operadoras de saúde quintuplicou, atingindo R$ 10,2 bilhões, o melhor desempenho desde 2020, primeiro ano da pandemia de Covid.

Levantamento inédito da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), com 85 instituições, mostra que o valor retido representou 15,89% do total que elas deveriam ter recebido das operadoras de saúde, um aumento de quatro pontos percentuais em relação a 2023.

Essas suspensões de pagamentos, chamadas de glosas, ocorrem quando as operadoras fazem algum questionamento ou pedem mais detalhes sobre as cobranças. Ao final das discussões, porém, a maior parte desses valores é liberada.

De acordo com a Anahp, a prática recorrente das operadoras tem levado à redução de investimentos nos hospitais, com impacto em expansão de leitos, aquisição de novos equipamentos e abertura de unidades de UTI, por exemplo.

No ano passado, 41,7% dos hospitais dizem que realizaram investimentos menores do que o planejado, segundo a pesquisa. "É uma situação de bastante aperto porque coincide com os juros altos, então não dá para fazer empréstimos bancários", afirma Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp.

Ele afirma que, historicamente, a taxa de contas hospitalares glosadas girava entre 3% e 5%. Em 2022, saltou para 9%, e em 2023, para 11,8%. No ano passado, atingiu quase 16%.

"A glosa tem que existir, é um direito do pagador olhar a conta. Mas as operadoras as transformaram numa forma de administrar os pagamentos que fazem aos hospitais. Eu te devo, digo que não vou pagar porque estou examinando a conta e acabo sendo o juiz do momento de pagar."

A estimativa é que os números sejam muito maiores se consideradas as mais de 175 instituições associadas à Anahp, que reúne nomes como Albert Einstein, Sírio-Libanês, Oswaldo Cruz, Copa D'Or, Hcor e Nove de Julho e tem quase 25% de participação em despesas assistenciais na saúde suplementar.

Entre as razões apontadas para as glosas, explica, estão questões sobre se o procedimento era ou não necessário. "Acontece que o procedimento já tinha sido autorizado antes. Quando o hospital faz uma coisa em alguém, mesmo que seja um exame de sangue, a operadora autorizou antes", diz Britto.

Segundo a pesquisa da Anahp, apenas 2% do total glosado em 2024 foi mantido. "O restante todo ficou provado, na discussão dos hospitais com as operadoras, que não era justificado."

Outra questão preocupante, diz Britto, é o aumento do tempo médio para o pagamento das contas hospitalares. "Antes, girava em torno de 60 e 70 dias. Em 2024, saltou para 120 dias."

Em muitos casos, para ter o valor liberado, as operadoras estão exigindo que os hospitais deem descontos. "Funciona assim: eu reconheço que te devo 800. Mas, para te pagar, preciso que você me dê um desconto, aí eu te pago 600", diz Britto.

Outra consequência importante, segundo ele, é que os hospitais estão atrasando o pagamento para os fornecedores, principalmente os de equipamentos médicos. "Acaba impactando a cadeia toda", diz.

De acordo com a Abraidi (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde), em 2024 os fornecedores de equipamentos deixaram de receber R$ 3,8 bilhões, referentes à retenção de faturamento, glosas injustificadas e inadimplência.

Desse total, R$ 2,3 bilhões estão relacionados à retenção de faturamento, ou seja, não foi autorizado o pagamento de produtos que já tinham sido utilizados e aprovados previamente.

Em comunicado publicado no site da Abraidi, Sérgio Rocha, presidente do conselho de administração da associação, afirma que é animador ver a melhora do desempenho econômico-financeiro das operadoras de planos de saúde, mas a mesma realidade não se aplica aos fornecedores de dispositivos médicos.

Segundo ele, no dia a dia, as empresas do setor lidam com prazos extremamente dilatados de autorização para emissão de notas fiscais de vendas, constrangendo-as a enfrentar problemas de ordem fiscal e tributária.

"Quando conseguem a autorização, são submetidas a prazos extensos para recebimento ou até mesmo a pedidos de descontos indecorosos, que agridem as boas práticas de negociação, a relação comercial saudável e o fluxo de caixa das empresas."

Para ele, os números positivos dos planos ilustram um problema sistêmico causado por um desequilíbrio nas relações, onde os fornecedores são obrigados a aceitar as condições unilaterais impostas ou são excluídos do mercado. "Práticas deletérias que se avolumam a cada ano e que, em efeito cascata, prejudicam toda a cadeia de saúde."

Planos dizem que tempo médio de pagamento caiu

Em nota, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que trata-se de uma relação individual entre as empresas e seus respectivos fornecedores (operadoras e prestadores de serviços hospitalares).

Segundo a entidade, dados públicos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostram que o tempo médio de pagamento (dias) do total de procedimentos realizados caiu em comparação com o ano anterior. "O que demonstra um esforço constante das operadoras na avaliação de eventuais glosas administrativas do setor."

Vera Valente, diretora-executiva da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), diz que é preciso um olhar mais aprofundado para compreender o funcionamento dos planos de saúde.

"Cada operadora tem sua realidade, compondo um panorama multifacetado. Muitas vezes a forma simplista como os dados da saúde suplementar são apresentados por outros atores produz uma percepção limitada e distorcida do setor."

A Fenasaúde afirma que os dados da ANS mostram que, de 2018 a 2023, o valor pago pelas operadoras aos hospitais privados, considerando apenas internações, cresceu 58%, atingindo R$ 107,8 bilhões.

Segundo a entidade, no primeiro semestre de 2024, dado mais recente disponível, o tempo médio decorrido entre a apresentação da cobrança pelos prestadores de serviços e o pagamento pelas operadoras de planos de saúde foi de 32,8 dias, o menor da série anual da ANS.

"Os números oficiais sobre glosas aferidos pela agência mostram que elas representaram um percentual de 7,4% dos valores dos serviços prestados", diz em nota.

De acordo com a Fenasaúde, "as glosas refletem, na maioria dos casos, cuidados que as operadoras precisam ter na gestão dos recursos do sistema, sempre em prol do controle de custos e, logo, de seus beneficiários."

"Jamais são praticadas de forma discricionária, ocorrendo apenas quando são identificadas inconformidades nos processos de cobrança, como códigos errados, dados incompletos, documentação insuficiente, preços incompatíveis com os praticados no mercado e cobranças de itens já incluídos em taxas e diárias", diz a nota.

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