À frente da Sert (Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária) do Ministério da Fazenda desde o início do terceiro mandato do presidente Lula, o economista Bernard Appy dá por quase concluída a missão de conduzir a reforma tributária.
Ao todo, foram pelo menos 15 anos militando pela reestruturação dos impostos sobre o consumo, desde que assumiu pela primeira vez o trabalho, em 2008.
Em entrevista à Folha, Appy avalia que o cenário político mudou e a sociedade se engajou com a percepção da necessidade da reforma. Outro ponto foi a construção coletiva de um novo federalismo fiscal, menos fratricida, entre estados, municípios e governo federal.
A costura foi feita por um secretário que abriu mão dos holofotes para fazer política nos bastidores do Congresso Nacional. "A gente tem que respeitar a política", afirma.
O secretário diz que vai tirar uns dias de férias com a família em São Paulo, para as festas de final de ano. Na volta a Brasília, em janeiro, deve sentar com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para definir os próximos passos da reforma e, depois, sua saída do órgão.
Leia os principais trechos da entrevista.
Fatores de consenso
O fator mais importante é que mudou a percepção da sociedade sobre a necessidade de uma reforma tributária. Em 2008, parte do setor empresarial brasileiro já achava que era necessária uma reforma. Hoje, eu diria que quase a totalidade do setor empresarial entende que o nosso sistema tributário está sendo muito prejudicial para o crescimento do país. E quando o país não cresce, todo mundo é prejudicado. Mudou, eu acho que, o amadurecimento do tema
O segundo fator foi que a PEC 45 [aprovada em 2023 no Congresso] começou a ser formulada no Centro de Cidadania Fiscal, em 2015, tendo como objetivo levar a uma proposta que mitigasse as resistências que dificultaram a aprovação em períodos anteriores. Mas isto não teria sido suficiente. O fato da reforma ter ficado, de 2019 a 2022, sendo discutida na Câmara, através da PEC 45, e no Senado, com a PEC 110, foi muito importante para que ela fosse amadurecendo, melhorando e se tornando mais palatável politicamente. O trabalho do Congresso melhorou o trabalho inicial que resultou no projeto original da PEC 45.
O terceiro fator que eu acho muito importante é o envolvimento claro neste governo do Executivo e do Legislativo. Esse se tornou um projeto prioritário para o Executivo, o ministro Fernando Haddad e o presidente Lula transformaram a reforma tributária em uma pauta prioritária, ao contrário do que aconteceu no governo anterior. Houve um apoio claro das lideranças da Câmara e do Senado Federal.
Acho que é [resultado de] uma conjugação de fatores políticos, certamente. Do amadurecimento da percepção pela sociedade da necessidade da reforma tributária, de um trabalho técnico e político que acabou criando um texto que foi possível ser aprovado no Congresso Nacional.
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Novo federalismo
A reforma tributária tem como pressuposto o federalismo cooperativo. Ela mostra que é possível. Quando você tem um incentivo errado, que é o sistema atual, o federalismo é predatório. É um querendo ganhar em cima do outro. Isso é o que resulta do nosso sistema tributário atual. É inevitável. É a guerra fiscal.
No novo modelo, é a mesma base para todos. Todos estão juntos no processo de operacionalização e de regulamentação desse novo modelo. Eu acho que é uma experiência nova para o Brasil. É uma experiência muito positiva em um país fragmentado.
O apoio de uma parte importante dos representantes dos municípios também foi sendo construído ao longo do tempo e foi importante para poder chegar nesse momento. É um momento histórico. As grandes mudanças têm o seu momento na história.
Militância discreta
Trabalhar em um assunto há bastante tempo e ver esse processo se tornar realidade, sendo um tema extremamente complexo, é muito gratificante. Mas eu sempre tenho que lembrar que foi uma construção coletiva no início, na elaboração do projeto. Muita gente participou da formulação do projeto original da PEC 45, no Centro Cidadania Fiscal. Teve um apoio enorme de muitos advogados, tributaristas e auditores fiscais das três esferas de governo, que contribuíram neste projeto lá atrás.
Aqui a gente contou com o apoio, primeiro, de uma equipe espetacular da Secretaria da Reforma Tributária. Uma equipe pequena, mas com um grau de complementaridade e de dedicação que eu jamais vi na minha vida. E a atuação do resto do Ministério. A Receita Federal e a PGFN ajudaram muito nesse processo. Os estados e municípios também contribuíram bastante para esse trabalho.
A gente tomou cuidado de não ficar dando muita entrevista durante esse período de tramitação. Tanto no período final na Câmara, quanto no período final no Senado. Foi um cuidado mesmo para respeitar, porque as decisões são do Congresso Nacional. Não adianta você ir para a imprensa falar o que acha ou o que não acha quando, na verdade, quem está decidindo não é você, é o Congresso. A gente tem que respeitar a política.
Despedida em 2025
Vou conversar com o ministro [Fernando Haddad] e a gente vai avaliar [minha saída da Sert]. Todo mundo sabe que eu estou aqui desde o começo com uma missão. Em algum momento eu não estarei mais aqui. A Sert é temporária. O Extraordinária no nome da secretaria é sinônimo de temporária. Mas tem uma missão e cumprida a missão [eu saio]... Com certeza [fico] até o PLP 108 [ser aprovado].