Como OnlyFans se tornou um império global sob a promessa de redefinir pornografia

há 2 dias 1

O OnlyFans se comprometeu à missão de redefinir a pornografia.

Com uma receita de US$ 1,3 bilhão (R$ 8,1 bilhões) e mais de 300 milhões de usuários, a empresa fundiu o trabalho sexual com a economia de criadores online de forma tão bem-sucedida que se expandiu para comédia, música e corridas de automóveis. O resultado foi rápida valorização no mercado.

Mas, apesar de toda a sua ambição e influência, o funcionamento interno do OnlyFans permanece opaco.

A plataforma fundada em 2016 tem apenas algumas dezenas de funcionários, mesmo com uma base de usuários quase quadruplicando nos últimos anos. Seu proprietário bilionário raramente é visto em público ou mesmo mencionado em palestras pela CEO da companhia. Não há placa da empresa fora de seu endereço registrado em Londres, e uma parte significativa, mas secreta, de suas operações —incluindo a moderação de conteúdo— está baseada na Ucrânia, um país em guerra.

À medida que cresceu, o site procurou usar conteúdo explícito —sua aparentemente inesgotável fonte de receita— como trampolim para o próximo nível de escala, posicionando-se como um pioneiro tecnológico com lugar entre os gigantes das redes sociais, como Instagram e X. Fundamental para esse esforço é tornar a pornografia mais socialmente aceitável e distanciar a empresa dos abusos frequentemente associados à indústria.

A face pública da empresa é a CEO, Keily Blair, uma advogada irlandesa e autoproclamada feminista e "nerd da segurança" promovida ao cargo principal em 2023. Em aparições públicas, Blair, de 42 anos, apresenta a plataforma como lucrativa e empoderadora, especialmente para mulheres, e frequentemente menciona suas duas filhas. "Quero que elas tenham uma boa vida online", disse ela a delegados em uma conferência de proteção infantil no Reino Unido em 2023. "Quero o mesmo para seus filhos."

As pessoas recorrem ao OnlyFans, diz ela, porque oferece pornografia "ética" –embora ela prefira não usar o que chama de "palavra com P".

Mas a palavra com P impulsiona o negócio. Os criadores geralmente ganham dinheiro com assinantes postando pornografia e conversando com eles online. Desde a criação em 2016, a plataforma afirma ter pago mais de US$ 20 bilhões (R$ 124 bilhões) aos seus criadores, que agora somam 4,1 milhões. A empresa fica com 20% da receita dos produtores de conteúdo.

O OnlyFans não respondeu aos pedidos da Reuters para entrevistar Blair ou o proprietário da empresa, Leonid Radvinsky. A empresa e sua controladora, Fenix International, não responderam à maioria das perguntas para esta reportagem.

Radvinsky, o proprietário que Blair raramente menciona em público, comprou o OnlyFans em 2018 e é seu único acionista. Agora com 42 anos, ele se pagou pelo menos US$ 1 bilhão (R$ 6,2 bilhões) em dividendos nos últimos três anos, mostram documentos corporativos.

Para um chefe de uma empresa famosa, ele é pouco conhecido.

Mesmo com ferramentas de busca especializadas, a Reuters conseguiu encontrar apenas seis fotos diferentes de Radvinsky online. De quatro sites que parecem pertencer a ele, apenas um menciona o OnlyFans pelo nome; nenhum revela que a pornografia é uma fonte importante de sua fortuna.

Em vez disso, eles o descrevem como um investidor-anjo e filantropo que dedica "uma enorme quantidade de tempo, esforço e dinheiro a causas sem fins lucrativos."

Os números da empresa dispararam durante a pandemia de Covid e o isolamento social.

Folha Mercado

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Embora a pornografia gratuita estivesse facilmente disponível online, o site parecia oferecer algo diferente pelo qual as pessoas pagariam: conexão pessoal. Os assinantes podiam enviar mensagens diretamente aos criadores e buscar companhia e intimidade. Os criadores ganhavam dinheiro por meio de assinaturas, gorjetas e vendas de conteúdo personalizado.

O OnlyFans oferecia aos seus criadores uma mistura atraente de trabalho temporário, expressão sexual e liberdade financeira –e, para alguns influenciadores, uma rara chance de converter multidões de seguidores nas redes sociais em pequenas fortunas, desde que estivessem dispostos a se despir.

UMA 'EXPLOSÃO DE CONTEÚDO'

Um ex-funcionário teve uma visão privilegiada do que chamou de "explosão de conteúdo" durante os anos da pandemia. Zak Hembry juntou-se à empresa em 2019 e trabalhou como moderador de conteúdo de sua casa em Bishop’s Stortford, ao norte de Londres.

O conteúdo era analisado por um bot que sinalizava material suspeito para revisão por moderadores humanos, disse Hembry. Ele examinava esse material em busca de conteúdo ilícito, que era então bloqueado ou removido. "Vi todo tipo de coisa que gostaria de não ter visto lá", disse ele.

Nos seus primeiros anos, disse Hembry, o OnlyFans adotou uma abordagem de "tolerância zero" para criadores que violavam suas regras. Mas, à medida que o conteúdo inundava sob a propriedade de Radvinsky, os maiores ganhadores eram tratados de forma mais branda, disse Hembry e outro ex-contratado nos EUA.

Aqueles cujas contas poderiam ter sido encerradas no passado começaram a receber avisos, disse Hembry.

Diante de um crescimento exponencial, o OnlyFans recorreu a trabalhadores da Ucrânia, terra natal de Radvinsky, que tinha uma indústria de TI bem desenvolvida, disseram ex-funcionários e contratados. Em fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou sua invasão total, a plataforma tinha uma "grande equipe" na Ucrânia fazendo moderação de conteúdo e outras funções, disse a CEO Keily Blair em um discurso recente no Trouble Club em Londres, uma plataforma que hospeda palestras de mulheres proeminentes.

BANCOS RECEOSOS

À medida que a popularidade do OnlyFans crescia, conteúdos ilegais escapavam dos moderadores. Pessoas estavam reclamando à polícia sobre abusos na plataforma. A BBC havia encontrado crianças no site. E os banqueiros envolvidos com a companhia pareciam nervosos.

Em agosto de 2021, a empresa fez um anúncio bombástico: proibiria pornografia a partir de outubro daquele ano. Oferecendo poucos detalhes, a empresa disse que buscava cumprir solicitações de parceiros bancários e provedores de pagamento. Em uma entrevista ao Financial Times, Tim Stokely, criador do site e então CEO, culpou o tratamento "injusto" dos bancos que haviam sinalizado e rejeitado pagamentos aos seus criadores devido ao risco reputacional.

A proposta de proibição indignou os criadores de conteúdo adulto. Muitos se sentiram traídos. Lauren Phillips, uma criadora americana que se juntou ao OnlyFans desde o início, disse que sentia como se a empresa quisesse "nos usar e depois nos descartar".

Seis dias depois, o OnlyFans revogou abruptamente a proibição, dizendo que havia garantido as "seguranças necessárias" para apoiar seus criadores. Não explicou quais eram essas garantias ou quem as deu. Mas remover a pornografia teria paralisado a plataforma –e cortado uma crescente fonte de receita para os bancos que lidavam com os negócios.

Ainda assim, continuava sendo uma luta convencer potenciais parceiros bancários de que a pornografia não era uma cortina de fumaça para abusos, disseram alguns banqueiros.

Em 2023, intermediários do OnlyFans conversaram com vários bancos de investimento de Wall Street para explorar a possibilidade de parcerias, segundo três pessoas envolvidas. Uma disse que abrir o capital foi discutido; as outras disseram à Reuters que os intermediários estavam buscando grandes bancos para ajudar a processar pagamentos para a plataforma.

Naquela altura, o OnlyFans tinha números impressionantes: mais de US$ 1 bilhão (R$ 6,2 bilhões) em receita, mais de US$ 0,5 bilhão (R$ 3,10 bilhões) em lucro operacional. Os banqueiros normalmente teriam disputado tal negócio. Mas as conversas não avançaram. O obstáculo, segundo dois dos envolvidos, era o principal produto do site: pornografia.

Desde então, o OnlyFans disse que não tem planos de abrir capital. Os negócios estão prosperando. Em 2023, criadores de conteúdo geraram US$ 6,6 bilhões (R$ 41 bilhões) na plataforma. A empresa tinha mais do que fluxo de caixa livre suficiente para permanecer privada.

Seu pagamento de dividendos de US$ 472 milhões (R$ 2,9 bilhões) a Radvinsky foi mais do que Ralph Lauren ganhou com a empresa de moda que fundou e Phil Knight, cofundador da Nike, ganhou com a gigante de roupas esportivas –combinados.

Como um magnata recluso da pornografia, Radvinsky geralmente não é mencionado junto com os eminentes bilionários do mundo. Mas ele sugeriu que gostaria que fosse.

"Meu objetivo é um dia estar em posição de assinar o The Giving Pledge", ele diz em um site que parece pertencer a ele, referindo-se às promessas feitas por Bill Gates, Warren Buffet, Mark Zuckerberg e outros magnatas de doar a maior parte de sua riqueza para causas de caridade.

Rejeitado por Wall Street, a empresa continuou seus esforços para se tornar uma empresa mainstream, buscando convencer o mundo de que sua pornografia era segura –e que o OnlyFans era mais do que um site de pornografia.

Essa tarefa ficou a cargo da CEO, Keily Blair.

'PORNOGRAFIA ÉTICA'

No OnlyFans, Blair se apresenta como a líder direta e acessível de uma empresa com apelo mainstream.

"Também hospedamos muitos outros tipos de conteúdo", disse ela em março na conferência SXSW em Austin, Texas, citando esportes, comédia e música. A plataforma também oferece conteúdo seguro para o trabalho no OFTV, uma plataforma de streaming lançada em 2021.

O OnlyFans afirma que nem sequer rastreia quanto de pornografia vende, agrupando-a financeiramente com todas as suas outras ofertas. "Não categorizamos nossos criadores pelo conteúdo que produzem, então não sabemos que proporção está criando conteúdo adulto", disse um porta-voz da empresa à Reuters. Blair rejeitou publicamente a alegação de que quase todo o conteúdo é pornografia, sem fornecer um número próprio.

Ela também diz que a pornografia no OnlyFans é diferente de outros sites. Na conferência SXSW, que diz apresentar "ideias inovadoras", ela explicou como a empresa permitiu que artistas adultos escapassem do sistema de estúdios "explorador" e lucrassem diretamente com o conteúdo que produziam. Este conteúdo adulto "ético", disse ela, foi o que atraiu tantos assinantes.

"Eu sou feminista", Blair disse ao seu público no Trouble Club em agosto. "Meu feminismo ajuda a informar por que faço este trabalho."

Criadores atuais e antigos questionaram o quão empoderador o OnlyFans era para as mulheres. Roots, a ex-criadora da Alemanha, disse que a plataforma atraía jovens, mulheres potencialmente vulneráveis para o negócio da pornografia, mas não oferecia conselhos sobre como lidar com suas demandas e impacto duradouro.

Produzir e promover conteúdo era implacável e punitivo, e os clientes masculinos queriam "usá-la para sua gratificação", disse ela. "É muito difícil chamar isso de feminista."

Sophia Mayy, 27, uma criadora da Inglaterra, disse que se juntou ao OnlyFans em 2021 para ganhar "um pouco de dinheiro extra" e agora leva para casa cerca de 35 mil libras (R$ 273 mil) por mês. "Honestamente, eu não hesitaria em fazer tudo de novo", disse ela à Reuters.

Mesmo assim, diz Mayy, é um erro para o OnlyFans tratar a pornografia como qualquer outro conteúdo —por causa dos riscos envolvidos na sua produção. No caso dela, disse, o trabalho prejudicou suas relações com a família e amigos, e a forçou a lidar com a solidão e assinantes masculinos abusivos.

"Provavelmente o maior problema é o impacto mental que isso tem sobre você", disse ela. "Você é vista como um objeto, você é vista como um pedaço de carne."

Andrew R.C. Marshall , Echo Wang , Rosa Furneaux , Jason Szep e Linda So

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