Ciência psicodélica brasileira vai bem, apesar dos pesares

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O mar não está para peixe psicodélico, em particular nos Estados Unidos, mas no Brasil passam bem pacientes deprimidos tratados com cetamina em Natal (RN). Até vermes e minicérebros tomam LSD e ajudam a pesquisa nacional a avançar, em laboratórios dos mais produtivos da área no Rio de Janeiro.

No exterior, está feia a crise deflagrada pela recusa da FDA ao tratamento de transtorno de estresse pós-traumático com MDMA. O investimento privado em pesquisa psicodélica, depois de começar o ano bem, com US$ 600 milhões aplicados no primeiro semestre, despencou 80% do segundo para o terceiro trimestre, com apenas US$ 37,5 milhões, segundo o boletim Psychedelic alpha.

Não que o setor no Brasil dependa muito desses recursos, uma vez que a pesquisa aqui se dá quase sempre em universidades públicas. São raros os aportes de fundos privados para estudos em que o país poderia ter vantagem comparativa, em vista da permissão legal para uso religioso da ayahuasca, ou daime, que ajudou a ciência psicodélica nacional a ocupar o terceiro lugar num ranking de impacto.

Aqui segue empacada até a regulamentação plena da cannabis medicinal. O que dizer, então, das bases legais para criar um ecossistema empresarial robusto com oferta clínica de terapias apoiadas por psicodélicos? Menos ainda se pensa em alternativas para descriminalizar o uso adulto, como nos estados Oregon e Colorado, nos EUA, que podem ser seguidos por Massachusetts.

Aquele terceiro lugar no levantamento de artigos muito citados se deveu em grande parte aos estudos do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN). O grupo de Dráulio de Araújo fez época com teste clínico de ayahuasca para depressão e agora investiga o tratamento experimental com dimetiltriptamina (DMT) da jurema-preta (Mimosa tenuiflora) e com o anestésico cetamina.

Araújo, Nicole Galvão-Coelho e Emerson Arcoverde publicaram artigo recente no periódico Journal of Affective Disorders relatando resultados com aplicações subcutâneas de escetamina (uma variante da cetamina, ou ketamina). Outros estudos, até agora, davam preferência a injeções intravenosas ou jatos nasais.

Por dois meses, 30 pacientes com depressão receberam infusões semanais de escetamina. Após o tratamento, que não contou com grupo de controle por placebo, um terço dos voluntários estava em remissão; seis meses depois, vários deles ainda tinham escores reduzidos em escalas padronizadas do transtorno.

No campo da pesquisa básica, destaca-se a produção do time de Stevens Rehen, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor, caso raro de investimento privado na área) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dois trabalhos com LSD do grupo saíram publicados em curto intervalo.

O primeiro apareceu em julho na ACS Omega, apresentando efeitos do ácido lisérgico em organoides cerebrais, esferas com milhares de neurônios cultivadas em jarros que já foram chamadas de "minicérebros". Constatou-se uma série de alterações no metabolismo, no uso de energia pelas células nervosas e na formação de conexões entre elas (neuroplasticidade).

O outro estudo saiu em agosto na Neuroscience Letters. Nele se mostra que o LSD é absorvido pelo verme Caenorhabditis elegans e lhe induz mudanças de comportamento, como locomoção mais lenta. O artigo conclui haver potencial para usar o nematódeo como modelo animal em pesquisa psicodélica, o que seria mais barato e prático do que o emprego usual de roedores.

Rehen mora atualmente em Wisconsin (EUA), onde faz pesquisas com psicodélicos no Instituto Usona e na empresa Promega. Passa três meses por ano no Rio e, no período restante, supervisiona remotamente os estudos do Idor e da UFRJ, além de receber colaboradores brasileiros nos laboratórios avançados da Promega.

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