Diego, 36, decidiu abandonar plantões de UTI. Gabriel, 47, Elmar, 32, André, 48, e Karla, 46, tiveram burnout. Isabella, 39, precisou de apoio psicológico. Para Luciano, 46, até hoje o barulho de ar comprimido de uma panela de pressão traz lembranças da rotina hospitalar.
Eles são médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que atuaram no auge das internações pela Covid-19, em 2021. Quatro anos depois, a Folha voltou a encontrá-los. Nos relatos eles citam traumas, sequelas físicas e psicológicas e certa mágoa de se verem esquecidos após todo o esforço para manter vivos seus pacientes.
Diego Montarroyos Simões, 36, atua como cirurgião torácico e deixou plantões de UTI
"Quando acabou a pandemia, eu não consegui mais dar plantão em UTI. O que eu vivi ali dentro foram coisas inimagináveis, plantões pesados ao extremo, limite de carga de trabalho emocional que eu nunca tinha vivido."
"O reencontro [com a família] foi muito bom. Eu passei muito tempo fora de casa porque minha esposa estava grávida. Eu não tinha, pelo vídeo, dimensão de quanto a barriga estava maior ou menor. Acho que eu não cheguei a ficar um ano fora de casa, mas foi um bom tempo. E ela cresceu muito no primeiro ano de vida, no segundo ano de vida. Me dei conta de que estava perdendo a fase mais importante da vida da minha filha, que é esse crescimento. E eu estava a menos de 30, 40 metros de distância, porque aluguei um flat de frente para a nossa casa."
Antes e depois
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O médico Diego Simões em 2021 e 2025 - Arquivo pessoal
Gabriel Medeiros, 47, médico intensivista no Hospital Municipal Santa Isabel
"Tive síndrome de burnout e faço terapia até hoje. É um evento de tamanha magnitude que a medicina ainda não sabe nem 10% do impacto que trouxe para a humanidade. Talvez leve duas ou três décadas para sabermos. Com a pandemia veio o aumento do custo de vida, os salários não acompanham a crise política e econômica do Brasil e, tal qual 90% dos médicos, preciso trabalhar até a exaustão para garantir proventos que não chegam a pagar metade do que conseguíamos há oito anos."
Antes e depois
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O médico Gabriel Medeiros em 2021 e em 2025 - Arquivo pessoal
Amanda Loretta Silva Rosa, 42, trabalha no hospital de urgências Governador João Alves Filho
"Sinto que as pessoas esqueceram da importância dos trabalhadores da área de saúde. A sociedade não reconheceu o nosso empenho em salvar vidas. A sensação que eu tenho é de que hoje a sociedade acredita que o que vivemos naquela época não foi mais do que nossa obrigação por termos escolhido tal área. O reconhecimento financeiro nunca chegou. Me sinto esgotada no meu trabalho, exausta mentalmente e fisicamente. Não me sinto pertencente ao meu ambiente de trabalho. Ainda tenho dificuldades de dormir, distúrbios de apetite, ansiedade e distúrbios de humor."
Antes e depois
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A fisioterapeuta Amanda Loretta em 2021 e em 2025 - Arquivo pessoal
Elmar Dourado, 32, atua com a gestão de cinco unidades hospitalares
"Tive esgotamento físico e mental. Realizei sessões de psicoterapia à época e recebi diagnóstico de síndrome de burnout. O que acontecia muito durante a pandemia foi que eu, enquanto coordenador médico, tinha que ir para assistência direta para cobrir 'furos' na escala médica. Além das minhas atribuições de gerenciamento e gestão da unidade. O colega precisava se afastar do plantão porque se infectava com a doença e, para não ficar sem médico no plantão, eu acabava tendo que ir dar o plantão."
Antes e depois
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O médico Elmar Dourado em 2021 e em 2025 - Arquivo pessoal
André Prudente, 48, infectologista, diretor do hospital Giselda Trigueiro, referência no atendimento de Covid
"Tive burnout. Isso afetou minha capacidade de concentração e de criação, além de ter afetado o rendimento profissional. Quem trabalhou arduamente na pandemia nunca a esquecerá. Para algumas pessoas ela ficou para trás, mas nós que vimos o sofrimento intenso das pessoas e que sofremos também por trabalho excessivo, de trabalhar de manhã, à tarde, à noite, sete dias por semana, 30, 31 dias por mês, sem uma folga sequer, isso para a gente nunca vai ser esquecido. Os heróis da pandemia foram absolutamente esquecidos. Não ficou nenhum agradecimento a essas pessoas, infelizmente."
Antes e depois
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O médico André Prudente em 2021 e em 2025 - Arquivo pessoal
Isabella Naiara de Moura, 39, fisioterapeuta da UTI da Assistência Médica Intensiva
"Eu passei por tratamento psiquiátrico e psicológico, ainda no período pandêmico e depois. A minha última crise de ansiedade foi em 2023. Eu ainda tive depressão. E sigo com acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Eu fiquei com sequelas emocionais, porque é algo que remete a dias muito ruins. As crises de choro não existem mais, graças a Deus, até porque não tem nada parecido com aquele período."
Antes e depois
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A fisioterapeuta Isabella Naiara em 2021 e em 2025 - Arquivo pessoal
Luciano Vitorino, 46, nefrologista, atuou como supervisor médico do HCamp (Hospital de Campanha para Enfrentamento ao Coronavírus)
"À medida que foi arrefecendo, eu tive mais tempo para mim, menos tempo no trabalho. Voltei a fazer atividade física, que realmente te dá energia, né? O foco é outro, libera endorfina, e isso ajudou bastante. Mas o barulho de quando o oxigênio estava no máximo, com o cateter nasal no nariz das pessoas, parecia uma panela de pressão. Até hoje eu escuto esse barulho e me lembro."
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Luciano Vitorino, 46, nefrologista e supervisor médico do HCamp (Hospital de Campanha para Enfrentamento ao Coronavírus) - Arquivo pessoal
Fernanda Vargas de Souza, 35, fisioterapeuta do Hospital Moinhos de Vento
"Agradeço esse sentimento de que é algo que já está mais distante, mas foi muito trabalhado por mim. [Durante a pandemia] parecia que eu estava indo para a guerra. Depois que aquilo passou a gente percebeu que tudo se acumulou dentro da gente para poder suportar. Depois veio a necessidade de uma ajuda psicológica."
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A fisioterapeuta Fernanda Vargas de Souza em 2021 e 2025 - Arquivo pessoal
Karla Moretto, 46, médica intensivista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
"Quando a pandemia passou, o ritmo da terapia intensiva se manteve. Os pacientes gravíssimos continuavam chegando, alguns deles morrendo. E não era a mesma doença, como com a Covid, mas sim patologias das mais variadas e graves. Com isso, acabei entrando no que me parece ter sido burnout. Também ganhei uma hérnia de disco lombar, e o mesmo ocorreu com várias enfermeiras. Vários pacientes eram obesos e completamente dependentes para movimentação, o que exigia certo grau de esforço das articulações."
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Karla Moretto, 46, médica intensivista do Hospital de Clínicas - Arquivo pessoal
Camila Isoni, 40, intensivista que atende em hospitais de Betim e Belo Horizonte, na rede pública e privada
"Vemos um número muito grande de pacientes que saíram com sequelas graves pós-pandemia. A gente chama de síndrome de cuidado pós-intensivo, caracterizada pelo paciente não conseguir se inserir mais no mercado de trabalho, desenvolver dificuldades cognitivas, transtornos de sono e depressão, fora as questões respiratórias."
Antes e depois
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Camila Isoni, 40, médica intensivista de Belo Horizonte e Betim - Arquivo pessoal