Aposta do SUS para fabricação de vacinas trava, e governo tenta acordo com o TCU

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Aposta do governo Lula (PT) para expandir a oferta de vacinas no SUS, a construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde, da Fiocruz, está travada e pode não receber investimentos neste ano.

A fábrica no Rio de Janeiro prevê quintuplicar a produção de doses da Fundação Oswaldo Cruz, entregando 120 milhões de frascos por ano. Como já mostrou a Folha, o governo afirma que a nova estrutura, com custo de ao menos R$ 6 bilhões, é necessária para fabricar no Brasil a Qdenga, único imunizante disponível no sistema público contra a dengue.

No fim de 2024, o Ministério da Saúde acionou o TCU (Tribunal de Contas da União) para chegar a uma "solução consensual" sobre o modelo de financiamento da obra. A tentativa de acordo foi feita após a área técnica da corte propor barrar o plano da Fiocruz de aplicar recursos próprios em parte da obra.

A fundação pretendia contornar a falta de verba mínima necessária para começar a erguer o complexo. Isso porque o consórcio privado responsável pela obra não conseguiu levantar os recursos necessários. Os auditores do TCU consideraram essa saída irregular, pois iria desvirtuar o contrato assinado com as empresas, entre outros pontos.

Agora, as discussões com o TCU envolvem, por exemplo, alterar o contrato vigente com o consórcio privado ou abrir uma nova licitação.

Em nota, a Fiocruz reconhece que "tem operado no limite de sua capacidade operativa e regulatória". A instituição afirma que o caminho que será indicado pelo TCU "não apenas dará sustentabilidade jurídica e econômico-financeira ao Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde, mas também servirá como um modelo inovador para a administração pública".

O Ministério da Saúde afirma, por sua vez, que há recursos garantidos. "Pela sua importância, os recursos para realização da obra estão garantidos pelo Novo PAC, no valor total de R$ 2 bilhões, que somente serão alocados após a definição conjunta com o TCU. O projeto foi retomado pelo atual governo, após ter sido paralisado nos anos anteriores."

Documentos internos da Fiocruz obtidos pela Folha mostram que a área jurídica da fundação considera praticamente inviável conseguir iniciar a obra neste ano. Os prazos para concretizar as medidas avaliadas com o TCU e a incerteza sobre a conclusão de uma licitação adiaram os investimentos para, no mínimo, 2026, ainda na leitura do setor jurídico da Fiocruz.

O mesmo documento diz que o "único caminho seguro" para iniciar a obra no próximo ano seria a contratação sem licitação, envolvendo um acordo internacional.

Essa seria uma forma de reabilitar o acordo com o consórcio privado, que tem a empresa Power China como uma das participantes. "É possível que o acordo internacional em tela veicule condições vantajosas para a Administração sem que isso implique financiamento por parte da China. Uma vez aprovado o acordo internacional prevendo a obra, é possível que o presidente da República regulamente o compromisso internacional prevendo outros aspectos da contratação", avalia a área jurídica da Fiocruz.

O pedido de solução consensual foi aceito em dezembro pelo TCU, que também montou uma comissão com técnicos da corte e integrantes do governo e da Fiocruz para discutir uma forma de construir o laboratório. A expectativa do governo é que os ministros do tribunal avaliem em julho o relatório elaborado por esse grupo.

Autoridades que acompanham a discussão no TCU dizem que o governo ficou otimista com o aval dado pelo tribunal para chegar a um acordo. Também dizem que não há decisão tomada e que diversos órgãos e especialistas estão sendo consultados.

Em pareceres internos, a Fiocruz cita a construção do novo complexo como essencial para manter as entregas ao SUS.

"Já existe hoje o risco de interrupção das linhas de produção de vacinas da Fiocruz, em razão das dificuldades de observância das normas regulamentares da Anvisa. Essa ocorrência é factível e impacta o Programa Nacional de Imunizações, e portanto, a saúde pública brasileira", afirma parecer da fundação que integra o pedido de solução consensual no TCU.

A Fiocruz ainda diz que o novo complexo poderia aumentar a oferta de vacinas fabricadas em parcerias com laboratórios privados, como a da dengue.

"Veja-se o caso da epidemia de dengue no Brasil, no ano de 2024, que se repetirá em 2025 e 2026. A Fiocruz possui capacidade tecnológica para produção das vacinas de dengue", diz a fundação em parecer obtido pela reportagem.

"Produzi-las implicará interromper a linha de produção de outra vacina. Trata-se de uma escolha de Sofia. O Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde resolve esse problema porquanto quadruplica a capacidade industrial para a produção de vacinas", acrescenta a Fiocruz.

O Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde ficará a cerca de 65 km do centro da cidade do Rio de Janeiro, no distrito de Santa Cruz.

O contrato com o consórcio construtor foi assinado em agosto de 2022, mas a obra ainda não começou. Os parceiros privados da Fiocruz apontam que não conseguiram captar recursos, citando a alteração no cenário macroeconômico brasileiro, com subida dos juros, entre outras razões.

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