Num momento em que tentar entender que diabos, afinal de contas, é esse tal "Ocidente" ou "civilização ocidental", um novo livro, assinado pela arqueóloga e historiadora britânica Naoíse Mac Sweeney, vem muitíssimo bem a calhar. O resumo da ópera é um bocado simples: quem aposta na ideia de que esses conceitos são muito antigos e foram claramente formulados desde os primórdios dessa civilização em geral não sabe do que está falando.
Esse é o principal fio condutor de "O Ocidente: Uma Nova História em Catorze Vidas" (editora Zahar, tradução de Denise Bottmann, 408 págs.), lançado recentemente no Brasil. Começando com o pai dos historiadores gregos, Heródoto (no século 5 a.C., portanto) e avançando paulatinamente até a Hong Kong do século 21, Mac Sweeney, professora do Departamento de Arqueologia Clássica da Universidade de Viena, mostra como o processo gradualíssimo de construção de uma identidade cultural e geopolítica do Ocidente se arrastou, na verdade, até o século 18.
Muito antes disso, os supostos fundadores do Ocidente, os gregos e romanos, basicamente não davam grande bola para a ideia, por mais que às vezes tentassem "polarizar" (como a gente infelizmente diz hoje) com seus adversários asiáticos.
O próprio Heródoto não demonizava o Império Persa, apesar de ter narrado o confronto entre as cidades-Estado gregas e os Grandes Reis iranianos. Tanto ele como outros pensadores gregos não se viam exatamente como "europeus", mas como uma gente posicionada no meio do caminho entre a Europa e a Ásia e, portanto, podendo usufruir do melhor de ambas as origens.
Já o Império Romano, com possessões nos três continentes do Velho Mundo, gostavam de propagandear sua suposta origem troiana (ou seja, na Anatólia, atual Turquia), e essa ascendência a partir de Troia passou a ser usada tanto por imperadores germânicos quanto por ingleses ao longo da Idade Média.
Bizantinos, falantes do grego, tampouco se viam como "ocidentais", em grande parte por causa do cisma religioso que os separara dos católicos romanos da Europa mais a oeste. E, em pleno século 17, no fim do reinado da inglesa Elizabeth, a diplomacia dos turcos do Império Otomano voltava a usar a ligação com os troianos para tentar armar uma improvável aliança entre protestantismo inglês e islamismo contra os católicos espanhóis.
A virada conceitual rumo a um Ocidente mais monolítico, exclusivamente europeu e branco só acabaria se dando com o triunfo do colonialismo e, paradoxalmente, do Iluminismo. Foi só então que Grécia e Roma foram artificialmente costuradas num único passado ancestral para os novos senhores do mundo.