Luiz Barsi Filho, maior investidor pessoa física da bolsa brasileira e conhecido como o Rei dos Dividendos, compartilha dessa visão. Ele já viu cerca de 40 varejistas quebrarem durante a sua trajetória e sempre que pode alerta os investidores que outras podem seguir o mesmo caminho, incluindo Magazine Luiza (MGLU3) e Casas Bahia (BHIA3). Para Barsi, o setor de eletrodomésticos e linha branca tem um histórico pouco favorável.
Mas será que essa realidade mudou? A Magazine Luiza pode pagar dividendos recorrentes? Descubra nesta coluna!
Magalu virou dividendeira?
A Magazine Luiza não tem uma política formal de dividendos e, por isso, só é obrigada a distribuir o mínimo legal de 25% do lucro líquido quando tem resultado positivo. Nos últimos anos, não remunerou acionistas devido aos prejuízos acumulados em 2022 e 2023.
Agora, com lucro de R$ 448,7 milhões em 2024, a companhia anunciou o pagamento de R$ 225 milhões em maio, o que representa um payout (parcela do lucro destinada a proventos) de 50,14%. O dividend yield (retorno em dividendos) dessa distribuição é de 2,90%, considerando a cotação atual das ações. Os cálculos são de Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista. "É um payout elevado usado por boas pagadoras da bolsa como Engie (EGIE3) e Taesa (TAEE11), que tomam esse patamar como mínimo", exemplifica.
Apesar disso, analistas seguem céticos sobre a continuidade dessas distribuições.
Um gestor, que preferiu não se identificar, apontou que achou esquisito uma distribuição de 50% em dividendos para uma varejista, diante de um cenário macroeconômico que definiu como pavoroso. "Parece que os controladores estão precisando de dinheiro desesperadamente já que eles possuem 57% das ações da Magazine Luiza", opinou. Entre os principais estaria a LTD Participações, que é da família Trajano, fundadores e donos da empresa.
Pedro Henrique Accorsi, analista da Benndorf Research, avalia que esse pagamento parece mais um movimento pontual para atrair investidores do que uma mudança estrutural na política da empresa. "O setor de varejo é muito sensível ao crédito e ao ciclo econômico. Apesar da recuperação nos resultados, a previsibilidade de geração de caixa da Magalu ainda é limitada, o que dificulta uma política sustentável de dividendos", afirma.
Lucas Lima, analista-chefe da VG Research, reforça essa visão. Segundo ele, o segmento de bens duráveis, eletrônicos e eletrodomésticos depende fortemente do poder de compra da população, sendo impactado por juros elevados. "São produtos de ticket elevado que normalmente os clientes dividem em várias parcelas do cartão. Com juros altos, Magazine Luiza sofre nas vendas".
Ele cita também a concorrência com gigantes do e-commerce, como Shopee, AliExpress e Shein. Mesmo com o aumento de impostos nas compras destas plataformas a partir de abril, a competição seguirá acirrada.
Já Renato Reis, analista da Blue3 Research, destaca que o pagamento ocorre porque a empresa teve lucro e é obrigada a distribuir parte dele. No entanto, alerta que isso não significa um payout de 50% para sempre. "Se continuar lucrando, pode seguir pagando dividendos em outros trimestres, mas isso dependerá dos resultados futuros", explica.
Ele também lembra que a Magalu ainda carrega uma dívida de R$ 4,6 bilhões, portanto seria mais estratégico destinar recursos à sua redução em vez de elevar os dividendos no curto prazo.
Porque ninguém dá moral para o varejo?
O varejo é um setor cíclico da bolsa, composto por segmentos como eletrodomésticos, moda, vestuário, calçados, supermercados, atacarejos, entre outros. No entanto, poucas empresas conseguem sustentar distribuições de dividendos no longo prazo.
Não se trata de preconceito do mercado, mas das peculiaridades do setor. Accorsi destaca que o fluxo de caixa das varejistas é volátil e sensível à inflação, juros e confiança do consumidor. Além disso, o setor demanda alto capital para estoques e infraestrutura, reduzindo recursos para dividendos. "Tudo isso leva à falta de previsibilidade e estabilidade, fatores essenciais para boas pagadoras de dividendos", explica.
Em crises, a queda no consumo leva as empresas a operar com margens de lucro reduzidas, o que compromete a geração de caixa. Além disso, varejistas costumam reter mais caixa para absorver choques de demanda e crédito, segundo o analista.
Oliveira lembra que o varejo tem forte concorrência, pequenas margens de lucro e baixas barreiras de entrada para novas empresas, dificultando a recorrência de proventos. "Empresas do setor quebram todos os anos e têm dificuldade de manter lucros em momentos desafiadores", observa.
Para ele, boas pagadoras de dividendos precisam de resiliência, perenidade e crescimento sustentável, características raras no varejo. "Até quando as varejistas expandem rara vez fazem isso com rentabilidade, é raro ver proventos recorrentes no setor", acrescenta.
Marco Saravalle, analista e sócio-fundador da MSX Invest, ressalta que as varejistas precisam investir constantemente em tecnologia, e-commerce, logística e métodos de pagamento para se destacar. Ele considera improvável que alguma varejista se torne uma grande pagadora de dividendos em 2025 ou 2026. "Algumas podem chegar a um dividend yield de 5%, mas a média do setor gira em torno de 2% a 3%, valores baixos", avalia.
Para Saravalle, distribuições elevadas costumam ter motivações estratégicas, como agradar investidores, controladores ou por receito diante de novas tributações de proventos, mas não refletem uma cultura de pagamento de dividendos no varejo. Ele também aponta que a valorização recente das ações do setor pode estar ligada à expectativa de queda dos juros, fator que beneficiaria as varejistas.
Uma agulha no palheiro
Encontrar uma empresa que pague bons dividendos no varejo é como achar uma agulha no palheiro, afirma Oliveira. No entanto, três empresas se salvam, segundo analistas.
A principal delas é a Vulcabras (VULC3), varejista de calçados esportivos, dona das marcas Olympikus, Mizuno e Under Armour. A empresa paga dividendos mensais desde agosto de 2024 e confirmou que manterá a prática em 2025. Em 2024, foi a 4ª maior pagadora de dividendos da bolsa, com dividend yield de 15,64%.
Lima, da VG, vê a Vulcabras como uma exceção, devido ao seu pé na indústria e diferenciais competitivos. "É uma empresa muito rentável, geradora de caixa e com baixo endividamento", diz. Ele destaca que, sem novas oportunidades de investimento ou expansão em lojas, a companhia tem recursos para distribuir dividendos. Lima projeta um dividend yield de 8% para 2025, com potencial de se manter nos próximos anos.
Já Reis, da Blue3, espera 7,5% de proventos em 2025. Oliveira, do Vida de Acionista, é mais cauteloso e lembra que, entre 2021 e 2023, o dividend yield da Vulcabras foi inferior a 6%. "Embora qualificada, é uma exceção no setor e não deve ser tomada como exemplo", comenta.
Outra opção é a Lojas Renner (LREN3), varejista de moda e vestuário. Reis projeta um dividend yield de 4,5% para este ano. "A empresa reinveste no negócio, mas como não tem dívida alta, sobra caixa para distribuir dividendos", afirma. Ele acredita que a Renner continuará com distribuições no futuro, mas tem recomendação neutra para ela e para a Vulcabras.
Accorsi considera a Renner uma das empresas mais bem geridas do setor, com resultados consistentes, baixo endividamento e crescimento orgânico. "Não é uma pagadora agressiva, mas tem potencial para dividendos sustentáveis ao longo do tempo", avalia.
Ele também menciona a Cambuci (CAMB3), uma ação menos conhecida, com as marcas Penalty e Stadium. Apesar de sua baixa liquidez na bolsa, a empresa tem baixa dívida, o que deve resultar em um payout elevado e dividendos generosos.
Veja abaixo como as empresas citadas nesta reportagem remuneram seus acionistas nos últimos anos, segundo levantamento exclusivo da Elos Ayta Consultoria para UOL.
Veja também quais são as 10 varejistas que remuneraram melhor os acionistas nos últimos 12 meses e o seu histórico de remuneração em 5 anos ou desde o IPO.
Allied (ALLD3) é considerada armadilha dos dividendos pelos analistas, apesar das altas distribuições, pela sua incapacidade de sustentar proventos elevados no médio e longo prazo.
Reportagem
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