A preocupação com as contas públicas saiu de cena na primeira entrevista coletiva de Gabriel Galípolo como presidente do Banco Central.
Antes foco das discussões na gestão de Roberto Campos Campos –que chegou a pregar um choque fiscal em meio à escalada do dólar no final do ano passado–, o tema foi agora praticamente ignorado na apresentação do RPM (Relatório de Política Monetária).
O documento do BC, divulgado a cada três meses, é peça importante de comunicação do arcabouço da política monetária. Um dos raros momentos ao longo do ano em que o presidente da autoridade fica exposto a uma bateria de perguntas diretas dos jornalistas.
No relatório, o BC deu a senha de como vê o cenário fiscal: o chamado impulso fiscal, indicador que mostra o quanto o governo amplia seu gasto estimulando a atividade econômica. O diagnóstico do BC foi o de que o governo cumpriu a meta fiscal para 2024 e surpreendeu positivamente analistas de mercado.
Se por ora o tema fiscal saiu de campo, o centro das atenções voltou-se para desvendar quando será o fim do atual ciclo de alta da taxa Selic.
Passou a ser relevante identificar o ritmo de desaceleração da economia depois que o BC levou os juros a patamares historicamente elevados para esfriar a atividade e garantir a convergência da inflação para o centro da meta de 3%. E, sobretudo, saber o impacto na economia das medidas adotadas pelo presidente Lula, de olho nas eleições presidenciais de 2026.
Entre elas, a liberação recente extraordinária do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), o novo crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada e a isenção do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5.000 por mês —que vai injetar R$ 25,8 bilhões na economia em 2026.
Galípolo não quis se comprometer com uma análise sobre como o BC está vendo as medidas do presidente, que vão na contramão do trabalho do BC de desacelerar a economia. Ele preferiu o apontar que há nelas um foco estrutural. Mas acabou admitindo que o BC não incluiu nas suas projeções o impacto do consignado, a isenção do IR e tampouco as medidas que Lula já adotou para controlar os preços dos alimentos.
A resposta do presidente do BC, que desapontou quem espera um posicionamento mais contundente sobre as medidas, acabou suscitando uma discussão na entrevista sobre o grau de "mundo real" das projeções da autoridade monetária, uma vez que as medidas foram anunciadas pelo governo.
Para responder à provocação, Galípolo citou o poeta Jorge Luis Borges sobre o rigor na ciência, mas acabou admitindo que o modelo usado pelo BC para fazer suas projeções "não é a vida real".
O fato é que essas e outras medidas ainda não adotadas, mas que estão em análise do governo, como o barateamento da conta de luz, podem juntas atenuar bem a desaceleração da atividade. Não por menos boatos na tarde desta quinta-feira (27) de que os números do Caged sobre o mercado de trabalho serão recordes, acima de 400 mil, deixou o mercado estressado.
Se o mercado de trabalho indicar uma economia aquecida, será sinal de resiliência da economia à bateria de juros altos do BC.