A ilusão da carteira de renda perfeita

há 1 dia 4

Você montaria seu guarda-roupa apenas com peças que têm bolsos grandes, ignorando o conforto, o tecido ou se combinam com o clima de sua cidade? Parece um critério estranho, mas é exatamente isso que muitos fazem ao montar sua carteira de investimentos: focam apenas o que "entrega renda" hoje ou o passado recente, sem pensar no conjunto, na durabilidade ou na proteção contra os imprevistos do amanhã.

Essa lógica aparece com frequência nas perguntas que recebo: "Michael, monta pra mim uma carteira de renda?". O pedido é legítimo, mas quase sempre vem acompanhado de dois erros clássicos.

O primeiro é confundir geração de renda com bom resultado. Muitos acreditam que um ativo que paga bons dividendos automaticamente é um bom investimento. Mas o que realmente importa é o retorno total —a soma dos dividendos com a valorização do ativo. É como escolher um restaurante só porque serve rápido, ignorando o sabor da comida, a higiene e, principalmente, o valor da conta no final.

Vamos ilustrar com números. Se você tivesse que escolher entre dois investimentos ao longo dos últimos 15 anos, qual preferiria: um que deu retorno de 9,6% ao ano com uma oscilação de 21% ao ano ou outro que rendeu 11% ao ano com volatilidade de apenas 3% ao ano?

O primeiro é o índice de dividendos da B3, que inclui as empresas mais conhecidas por pagar dividendos. Lembrar que o retorno do índice considera tanto o ganho de dividendos quanto a valorização. O segundo é o índice de títulos públicos atrelados à inflação. Ambos envolvem títulos com fluxos recorrentes, mas a diferença de risco e estabilidade é gritante.

Alguns podem rebater: "Mas o índice de dividendos inclui empresas que não são boas!". De fato. Mas só sabemos disso agora. E este é o ponto: escolher ações olhando pelo retrovisor é um risco que muitos ignoram. O desafio está justamente em antecipar o desempenho futuro. Nesse processo, o viés da autoatribuição costuma atrapalhar. Investidores tendem a valorizar o acerto e esquecer os erros. Lembram-se da ação que rendeu bem, mas não consideram os papéis que ficaram anos empacados no prejuízo.

Outro erro comum é imaginar que existe uma "carteira de renda vitalícia". Como se houvesse uma seleção imune ao tempo, às mudanças tecnológicas, políticas e econômicas. A realidade é que o mercado se transforma constantemente, mesmo nas empresas de dividendos. Empresas perdem competitividade, setores inteiros deixam de ser atrativos, e aquilo que funcionava ontem pode se tornar obsoleto amanhã.

Uma boa carteira não é uma estrutura fixa —é um organismo vivo, que exige revisão, adaptação e estratégia. Mais do que uma carteira que gere renda imediata, o ideal é construir um portfólio que atenda às suas necessidades ao longo do tempo, preserve o poder de compra e respeite seu planejamento financeiro. Isso pode incluir ativos que pagam dividendos, sim, mas também títulos e fundos de inflação e produtos de renda fixa com estratégia de preservação e com resultado previsível de curto prazo para trazer estabilidade.

A obsessão pela renda fácil pode custar caro. Afinal, quem foca apenas o que entra hoje corre o risco de comprometer tudo o que deveria vir amanhã.

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