Agroecossistemas para alimentar o mundo

há 3 dias 3

Cerca de 733 milhões de pessoas no mundo passaram fome em 2023, segundo o último relatório "O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI)" publicado pelas Nações Unidas. O documento ainda revela que, se as tendências atuais continuarem, cerca de 582 milhões de pessoas estarão cronicamente subnutridas em 2030. Na contramão disso, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta um crescimento anual de 1,1% na produção mundial de alimentos entre 2023 e 2032.

Existe um claro descompasso entre o que é produzido para consumo direto e o que é destinado a exportação, processamento e uso industrial. Uma alternativa sugerida por especialistas a essa crise alimentar são os agroecossistemas diversificados – formas de cultivo de alimentos que levam em conta as interações entre plantas, animais, fungos e pessoas que manejam esses sistemas.

A ecóloga Mariana Benítez, professora da Universidade Nacional Autônoma do México, é especialista em sistemas complexos e investiga a produtividade, resiliência e diversidade desses sistemas agroecológicos a partir das interações da chamada agrobiodiversidade. Ela explica: "quando falamos de agroecossistemas, existe o que chamamos de biodiversidade associada: plantas, animais e fungos espontâneos, que não foram postos ali intencionalmente".

A professora aposta que, ao abrigar essa biodiversidade, esses sistemas se tornam peça fundamental para a conservação do ambiente. "Precisamos de paisagens permeáveis, que permitam a migração de populações de fauna silvestre e conectem diferentes tipos de vegetação. Os agroecossistemas podem ser cruciais para a biodiversidade."

Para mostrar como diferentes tipos de manejo agrícola afetam essa biodiversidade associada, Benítez e seu grupo de pesquisa analisaram um sistema específico de policultura chamado milpa, popular no sul do México. O sistema é uma policultura tradicional, onde as pessoas cultivam principalmente feijão, abóbora, tomate, pimenta e sobretudo milho, entre outros. Embora seja um sistema diversificado, pressões econômicas o fazem se aproximar do monocultivo do milho.

"Queríamos ver se o sistema tradicional diversificado, em comparação com um mais intensificado baseado no milho, abrigava uma biodiversidade diferente, com distintos tipos de organismos", explica Benítez. Um bom indicador para isso são os besouros, uma família de insetos muito diversa e envolvida em vários processos ecológicos.

Ao analisarem sua presença tanto em milpas manejadas tradicionalmente quanto naquelas mais industrializadas e simplificadas, constataram que o sistema tradicional apresentava maior diversidade de formas e famílias do inseto, incluindo diferentes hábitos alimentares. Isso faz com que o sistema se autorregule naturalmente com a presença de herbívoros e predadores.

"Encontramos mais diversidade e também muitas espécies raras, o que prova que os agroecossistemas podem atuar também como reservatórios de biodiversidade", ela explica.

No entanto, a implementação mais ampla desses sistemas ainda é um desafio. Para Benítez, é fundamental a existência de políticas e programas de apoio a esse tipo de agricultura, bem como uma estrutura social que permita a camponeses ou pequenos agricultores aprender uns com os outros e ter acesso a mercados justos, onde possam vender seus produtos a um preço adequado.

Assim, esses produtores ecológicos poderão fornecer alimentos para escolas, hospitais, cozinhas públicas. Caso contrário, a agricultura sustentável pode acabar se tornando elitista, acessível apenas a um pequeno grupo que pode pagar por ela.

"Devemos repensar a conservação ambiental em termos de coexistência humana com a natureza. Não acredito que abordagens baseadas na exclusão de pessoas e na criação de áreas intocadas sejam sustentáveis no longo prazo. É preciso investir em sistemas de produção mais diversificados", conclui a ecóloga.

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Mariana Benítez esteve no Brasil em fevereiro de 2025 para dar aulas sobre agroecossistemas a alunos da Formação em Ecologia Quantitativa, promovida pelo Instituto Serrapilheira.

Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.

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