Walter Porto: Sarr toma cafezinho com Chico Buarque e joga bola no Politheama antes da Flip

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Chico Buarque recebeu o senegalês Mohamed Mbougar Sarr com um cafezinho bem passado em sua casa, na manhã da quinta-feira no Rio de Janeiro.

Conversa vai, conversa vem, o brasileiro de 80 anos se levanta, pega o volante do carro e dirige com o jovem senegalês até o campo de futebol onde os dois iam se desafiar.

Já são folclóricas as partidas do compositor brasileiro no time amador Politheama, que conta com boleiros fiéis como o ator Antônio Pitanga, também octagenário. Quando soube que Sarr estaria no Brasil como uma das grandes estrelas da Flip, Chico já quis trocar passes com ele no gramado.

Naquela quinta entraram em campo também os atores Chico Diaz e Gregorio Duvivier, numa pelada acompanhada dos bancos pela jornalista Maju Coutinho, do Fantástico.

No final do dia, combinaram de jantar. Chico já pirava na literatura de Sarr desde que leu seu romance mais conhecido, "A Mais Recôndita Memória dos Homens", presenteado pelo amigo e jornalista Fernando Eichenberg na França. "Após ler esse livro, não sei como poderei voltar a escrever novamente", declarou à época.

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Antes mesmo de o senegalês premiado com o Goncourt chegar ao Brasil, já tinha recebido o aceno do carioca, de cuja importância não tinha exata noção. Mas quando lhe perguntavam os planos para sua visita, ele já respondia de bate-pronto: "Vou jogar bola com Chico Buarque".

Desde essa aproximação, pôde ler "Essa Gente", de 2019, o romance que o autor de "Budapeste" escreveu ao arrepio da ascensão bolsonarista. Disse que era uma boa janela para se sentir mais próximo de uma realidade que ainda não conhece bem. Outra porta de acesso foi "Diadorim", a versão francófona de "Grande Sertão: Veredas".

Sarr chega a Paraty nesta sexta-feira, véspera de sua aguardada mesa com Jeferson Tenório no fim da tarde de sábado. A outra maior estrela internacional da Flip, o francês Édouard Louis, chega quase ao mesmo tempo —e a voracidade do público por ele não é pouca.

Mas a curadora Ana Lima Cecílio já tinha uma das lembranças mais preciosas da sua primeira Flip na função antes mesmo de a festa começar: o "não" que recebeu de Dalton Trevisan.

Cecilio decidiu convidar —ou xavecar, para usar sua expressão— o escritor curitibano de 99 anos mesmo sabendo que as chances de ele aceitar eram remotíssimas. Hoje ela chama com carinho de "um delírio curatorial", baseado na lógica de que ninguém devia nem ousar convidar o autor para nada há décadas. Vai que dá?

Enviou um convite derramado de elogios a Trevisan, e quem pensa que ela saiu de mãos vazias se engana. Recebeu uma recusa ímpar de um autor lendário, quase centenário, que afirmou que o convite tão sedutor "fez do velho escritor cansado um destemido Simbad".

"Sua proposta seria irrecusável", continuou Trevisan, "se não fosse a cangalha dos muitíssimos anos e, eu, o último dos tímidos".

"Já me convenci que, em pleno juízo, nunca mais sairei de meu apartamento, nem falarei em público, ao menos, na primeira pessoa. Afinal, que são esses pobres contos em que tanto me confesso? Se você deseja discuti-los na Flip, no lugar do autor: supimpa! Fico à sua disposição, mãozinhas postas. No momento, valem o agrado e o carinho."

Pelo visto, uma festa literária é feita até de quem não vem.

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