Ringo Starr usar um chapéu de caubói na foto estampada na capa de "Look Up", vigésimo primeiro álbum de estúdio de sua carreira solo, não é uma escolha estética. Serve como uma declaração de intenções, pois, aos 84 anos, o Ringo da música country está de volta.
Em março de 1970, duas semanas antes do anúncio oficial do fim dos Beatles, Ringo lançou seu álbum de estreia, "Sentimental Journey", de rock e pop. Apenas cinco meses depois, enquanto os fãs ainda começavam a conhecer melhor seu disco solo, ele lançou mais um, "Beaucoups of Blues". Ninguém entendeu direito o lance, pois era um disco imerso na música country.
Na verdade, o foco ali era o bluegrass, uma variante mais radical do country, gravada exclusivamente com instrumentos acústicos e muito influenciada pelas canções irlandesas trazidas aos Estados Unidos pelos imigrantes. E é novamente do bluegrass que emerge o novo álbum, lançado mundialmente nesta sexta (10).
Sem um disco que tenha atingido alguma relevância nas últimas décadas, e sem gravar nada desde "What’s My Name", álbum com dezenas de convidados no estúdio lançado em 2019, desta vez ele fechou a proposta no retorno à música caipira americana e foi buscar talvez o melhor parceiro possível para a missão: T Bone Burnett.
Guitarrista, compositor, produtor e lenda viva do som de caubói, Burnett chega aos 76 anos tendo lançado há poucos meses um dos melhores álbuns da carreira, "The Other Side", com um punhado de grandes músicas. Mesmo assim, reservou mais de uma dezena de composições novas para abastecer o novo projeto do amigo inglês.
Ele assina nove das 11 faixas de "Look Up", entre elas o primeiro single lançado, "Time on My Hands", canção tocante sobre amores perdidos. As exceções são duas ótimas canções, "You Want Some", balada básica de Billy Swan, e "Thankful", única composição de Ringo no disco, em parceria com Bruce Sugar. Mas, como produtor, Burnett cumpre um outro papel que é talvez mais importante do que escrever o material.
Ele costurou as participações especiais do álbum, colocando Ringo lado a lado com alguns personagens bem interessantes da música country atual. O principal deles é, sem dúvida, Billy Strings, guitarrista de 32 anos com quatro discos lançados, entre eles o premiadíssimo "Home".
Strings passa por várias faixas do álbum e, segundo Burnett, teve a tarefa de unir numa só linguagem as ideias bluegrass do produtor com o caráter mais roqueiro de Ringo. E é com Strings que o cantor divide vocais nas duas faixas mais fortes do álbum, "Breathless" e "Never Let Me Go". São clássicos instantâneos do gênero, que se presta perfeitamente para o vozeirão de Ringo. Não exatamente um vozeirão bem educado, musicalmente falando, mas ainda assim uma força sonora incrível.
O disco tem participação de alguns nomes femininos do country, com ótimos resultados. Com a veterana Alison Krauss, que tem uma longa parceria com Robert Plant em vários álbuns e turnês com o ex-Led Zeppelin, Ringo faz a canção que encerra o disco, a já citada "Thankful". Para o blues pesado "Rosetta", ele tem ajuda de Strings e do grupo Larkin Poe, das irmãs guitarristas e cantoras Rebecca Lovell e Megan Lovell.
Mas o brilho feminino maior está com a jovem Molly Tuttle, novo fenômeno country que empresta a voz poderosa a quatro canções do repertório: "Look Up", "I Live for Your Love’, "String Theory" e a espetacular "Can You Hear Me Call". Empolgado com a garota, Ringo já a recrutou para a turnê do disco.
"Look Up" vai ser tocado ao vivo pela primeira vez na semana que vem. Nos dias 14 e 15, Ringo leva convidados ao palco para duas apresentações em Nashville, a capital da música country nos EUA.
Já foi dito que Paul McCartney e Ringo Starr podem fazer qualquer coisa que quiserem, são os caras que mudaram o mundo com sua música e não precisam provar nada para ninguém. Agora, com "Look Up", Ringo foi atrás desse desejo de reencontrar o country. Os fãs só precisam agradecer, pois é um de seus melhores discos.