Se o filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, já fez decolar sua carreira internacional com o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza, agora é a vez do livro que o originou, de Marcelo Rubens Paiva, alçar seus voos para fora do país.
Baseada na via-crúcis da família do autor com a tortura e morte de seu pai, o deputado Rubens Paiva, a obra fechou contrato para ter suas duas primeiras edições estrangeiras, em Portugal e na Itália, onde o filme protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello causou forte burburinho.
Para o começo de 2025, Paiva prepara ainda uma espécie de continuação do livro, cuja relevância persistente tem surpreendido o próprio autor. A nova obra ainda não tem nome, mas já foi escrita e entregue para a Companhia das Letras.
"Vai ser sobre como a minha família sofreu durante o período do Bolsonaro, que era nosso inimigo pessoal e nós nem sabíamos disso", diz ele à coluna. "Bolsonaro cuspiu no busto do meu pai, disse mentiras sobre ele ter participação na luta armada."
Mais que o governo do ex-presidente, diz Paiva, o livro vai cobrir "a década que mudou tudo" a partir de 2013, época em que ele se tornou pai e seus livros, rebeldes e contestatórios, passaram a ser perseguidos pelo movimento Escola sem Partido.
A ideia de considerar a obra uma "sequência" é porque Eunice Paiva, mãe do autor e protagonista de "Ainda Estou Aqui", morreu um mês antes de Bolsonaro subir a rampa do Planalto —representando uma onda autoritária global que, segundo o autor, explica o interesse renovado pela obra.
"Quando você fala de uma família que foi atacada num processo kafkiano de violência sem explicação, está falando a famílias de muitos países amedrontadas com o que vai acontecer com elas", diz, em referência ao avanço da direita mais extremada em países como Itália, Alemanha e França.
Modesto, Paiva afirma que não se julgava um escritor "digno de ser traduzido" —seu best-seller "Feliz Ano Velho" foi exportado a cerca de dez países lá na virada dos anos 1980 para os 1990— e que a voz do Brasil no exterior devia ser de gente como Milton Hatoum e Paulo Scott, que "falam dos nossos conflitos reais".
Agora que "o tema da ditadura voltou", ele contratou a agência de Lucia Riff para prospectar suas chances lá fora. Está dando certo.
Tudo a Ler
Receba no seu email uma seleção com lançamentos, clássicos e curiosidades literárias
SINAL FECHADO Autora convidada da próxima Flip, a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, fechou contrato para lançar mais um livro na Companhia das Letras depois da repercussão de "A Máquina do Ódio". A obra discutirá o status da liberdade de expressão e dos embates no "mercado de ideias" hoje, quando boa parcela das praças públicas são, na verdade, empresas privadas —as big techs, com poder de desequilibrar o alcance das vozes em debate segundo seus próprios interesses.
MEMÓRIAS CHORANDO A WMF Martins Fontes vai lançar uma nova coleção sobre os desafios da escrita literária, chamada "Errar Melhor". Os livros começarão a ser publicados durante a Flip, em outubro, quando seu organizador, Joca Reiners Terron, estará em destaque na programação principal.
MEMÓRIAS CHORANDO 2 A série de ensaios e reflexões críticas começa com "Os Mortos Indóceis: Necroescrituras e Desapropriação", da mexicana Cristina Rivera Garza, vencedora do Pulitzer, e "As Aulas de Hebe Uhart", compilado de Liliana Villanueva sobre a contista argentina. Para o ano que vem, estão previstas obras de Marília Garcia, Robert Louis Stevenson e Lydia Davis.
MEU MUNDO É HOJE A coreano-brasileira Ing Lee, ilustradora de carreira em ascensão, fechou seu primeiro contrato para lançar uma graphic novel em uma editora de porte, a VR, após diversos quadrinhos autopublicados. Na obra, a autora acompanha o crescimento de seu irmão caçula, João, que tem diagnóstico de autismo.