Crítica: Iraniano 'A Semente do Fruto Sagrado' leva tensão política para o lar

há 12 horas 2

Inevitável que "A Semente do Fruto Sagrado", vencedor de um prêmio especial de roteiro no último Festival de Cannes, tenha ganhado maior lastro cinematográfico por algo que não necessariamente seja da ordem da estética do cinema, mas de seu contexto.

Seu diretor, o iraniano Mohammad Rasoulof, já tinha sido censurado, preso e penitenciado com chibatadas pelas autoridades do país por "Não Há Mal Algum", que discutia a pena de morte.

Filmado de forma clandestina quando o regime dos aiatolás condenou Rasoulof à prisão, "A Semente do Fruto Sagrado" estava nos braços do diretor quando ele saiu do país de mala e cuia a pé, ganhando refúgio na Alemanha. Dali, produtoras europeias viabilizaram a sua inscrição em Cannes.

Toda essa aventura entre a realização, cassação e fuga do cineasta é um thriller em si, mas o longa não é cinematograficamente pouca coisa. E, se não eleva seu diretor ao nível de Abbas Kiarostami —o maior cineasta iraniano e um dos máximos da história do cinema—, certamente o pareia com Jafar Panahi, outro artista preso por seu cinema político.

"A Semente do Fruto Sagrado" acompanha Iman, sua companheira Najmeh e as filhas Rezvan, de 21 anos, e a adolescente Sana. Uma típica família de Teerã e que, inevitavelmente, será transtornada pela política de Estado.

Promovido a juiz de instrução logo quando a juventude vai às ruas protestar pela liberdade, Iman terá de assinar, mesmo a contragosto, centenas de ordens de prisão e sentenças de morte. Enquanto isso, suas filhas, sobretudo Sana e a amiga Sadaf, anseiam por ares mais progressistas.

A grande força de "A Semente do Fruto Sagrado" é trazer à tela a realidade da Teerã de 2022, quando jovens foram presos, agredidos e mortos pelas forças de segurança. A fortuna do filme está em Rasoulof incorporar nele imagens reais feitas por celulares dos insurgentes naqueles fatídicos dias.

Além disso, é inédito vermos um filme iraniano mostrando as jovens planejando pintar as unhas, fazer luzes nos cabelos, usar roupas justas e utilizar massivamente, como nós, celulares e redes socias como o Instagram.

É um filme que investe forte nas imagens, sobretudo as de opressão, que vão transtornando a família e o ideal de vida melhor do patriarca. Além dos hijabs, haverá a arma que o juiz ganha e será como o aparelhamento do indivíduo como força repressora.

Outra cena, brutal, mostra em primeiríssimo plano as dezenas de chumbinhos extraídos do rosto de Sadaf, alvejada pela polícia. Naquele momento, a repressiva teocracia toma conta da família.

Quando a arma misteriosamente desaparece, a violência de Estado, presente nas ruas e universidades, se instaura no epicentro do lar. Iman recorre a uma investigação feita por um amigo da família que utiliza psicoterapia. Mulher e filhas são submetidas a um clima pesado, o mais violento do filme, e justamente porque ninguém é tocado fisicamente.

As mais violentadas na história, as quatro mulheres da trama ganham foco extraordinário neste grande filme político. Quando o homem é tomado pela repressiva política de Estado teocrático e se volta contra aquelas que ama, serão mãe e suas duas filhas a tomarem, unidas, uma ação alinhada às que várias e vários jovens tomaram nas ruas banhadas de sangue e violência da Teerã de 2022.

Mohammad Rasoulof fez um filme que oscila entre o cinema e o assunto, entre a obra de cinema e a necessária. Mas podemos situar "A Semente do Fruto Sagrado" como uma experiência urgente nascida num mundo perigoso.

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