Com ingressos disputados em todas as apresentações, a temporada de "Vestido de Noiva" no Sesc Consolação termina neste domingo (15). A peça dirigida por Helena Ignez, revisita o clássico com um olhar contemporâneo e profundo, explorando os três planos específicos da peça — realidade, memória e alucinação — para refletir sobre as complexidades humanas e os dilemas da sociedade atual.
A trama aborda o triângulo amoroso entre as irmãs Alaíde (Djin Sganzerla) e Lúcia (Simone Spoladore) e Pedro (Jiddu Pinheiro), permeada por tragédias e disputas emocionais. Um dos destaques dessa versão é a ênfase no feminicídio de Madame Clessi (Lucélia Santos), evidenciando questões sociais e de gênero, ao mesmo tempo que se mantém fiel à essência do texto original de Nelson Rodrigues.
Helena Ignez, cineasta e atriz reconhecida por sua ousadia artística, insere elementos visuais e tecnológicos para ressignificar a obra. A diretora enfatiza a contemporaneidade das temáticas rodrigueanas, como desejo, culpa e vaidade, relacionando-as às dinâmicas da sociedade moderna, especialmente sob o impacto das redes sociais e da mudança de paradigmas culturais.
A montagem, que comemora os 80 anos da estreia da peça, traz um elenco de peso e conta com uma cenografia que combina teatro e cinema, reforçando a atemporalidade e a relevância da obra de Nelson Rodrigues no cenário teatral brasileiro.
Três perguntas para…
… Lucélia Santos
Essa montagem de "Vestido de Noiva" deu destaque à questão do feminicídio, com sua personagem Madame Clessi, e, recentemente, você esteve em "Vozes da Floresta" que abordava o movimento de resistência de seringueiros. É uma preocupação sua estar em espetáculos que cumpram uma função social?
Inicialmente nunca parto de uma perspectiva de compromisso social para construção de uma obra artística mas, de fato, na base do sentimento que gera a necessidade de expressão, eu sempre acabo querendo falar sobre o universo que eu conheço e que gostaria de transformar, daí o meu compromisso com a floresta com a defesa das árvores e contra sua devastação. Vem daí também o meu compromisso com a arte em seu estilo maior, no caso, representando uma obra de Nelson Rodrigues.
Você que é uma musa rodrigueana, como tem sido ao longo de sua bela carreira transitar por esse universo fazendo tantas personagens desse que é um dos mais influentes dramaturgos brasileiros?
Sempre fui uma apreciadora, uma estudiosa e uma apaixonada pela obra de Nelson Rodrigues e seu universo oceânico. Considero que ele seja o maior escritor de teatro da história da dramaturgia brasileira. Sua modernidade, sua capacidade de expressar questões da sociedade desde sempre, desde o tempo em que suas obras foram escritas até os dias de hoje. Essa modernidade que se reflete na precisão e exatidão quase matemática com que ele constrói suas narrativas. Sua carpintaria teatral é tão eloquente que fala por si só.
Atuar em uma obra de Nelson Rodrigues é um prazer artístico inenarrável. Qualquer ator, ainda que seja um ator medíocre, tem prazer em dizer seus textos e sofre um impacto enorme diante de um universo tão rico.
O que eu mais amo em Nelson Rodrigues é a sua crítica à demagogia e à hipocrisia da sociedade e isso, infelizmente, continua moderno. Desde a época em que ele escreveu suas peças, nos anos 1940, 1950 até os dias atuais, nada mudou. Pelo contrário, só piorou.
Como foi a experiência de retornar ao palco do Teatro Anchieta, a sala onde você estreou como atriz?
Voltar a pisar no palco do Teatro Anchieta, hoje Sesc Consolação, foi uma sensação muito interessante pois já se passaram 53 anos desde que lá estive representando um duendezinho na peça "Dom Chicote Mula Manca e seu Fiel Companheiro Zé Chupança" em 1972, e agora fazendo madame Clessi em "Vestido de Noiva"... São muitas emoções.
Trata-se de toda uma vida dedicada a um compromisso sério, verdadeiro e profundo com o teatro, com o teatro brasileiro que é onde eu nasci e em cuja língua eu falo e me expresso.
Sesc Consolação - r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, região central. Qui. a sáb., 20h. Dom., 18h. Até 15/12. A partir de R$21, nas bilheterias das unidades do Sesc.