Quando faz a pergunta, Vanessa Mara da Cruz Borges, 36, está pronta para qualquer tipo de resposta. Como ela mesma diz, sempre sai de casa em busca do "sim", mas o "não" também a faz crescer. E quando a negativa aparece, já sabe o que dirá em seguida.
"Não gosta de brownie? Mas já experimentou o meu?"
Não é uma técnica de vendas nova, mas a cartada vem a seguir. Ela explica os sabores da Cacau Crioula, sua marca própria. Um deles sempre chama a atenção: brownie de gengibre com dendê. Quem compra imediatamente passa a fazer parte do que chama de "nação brownera".
"Na rua, tenho de abordar as pessoas, não espero que elas venham até mim. Rua não é shopping center. Eu tinha muito medo, era insegura para falar e contar o que vendia. Mas isso passou. Eu saio fortalecida de cada venda. Sei o que estou fazendo. Confio no meu produto e no meu negócio", afirma.
Inscrita no Prêmio Academia Assaí, ela foi escolhida a melhor na categoria vendedor ambulante. Ganhou R$ 20 mil, vale-compras no supermercado e uma assessoria empresarial individualizada.
Era um futuro que ela jamais poderia imaginar no início de 2020 quando, grávida, abandonou um relacionamento abusivo no interior da Bahia para ir morar em Salvador. Poucas semanas depois começava a dar aulas de zumba, sua então profissão, e todas as academias fecharam por causa da pandemia da Covid-19. Quando Laura nasceu, a mãe não sabia o que fazer da vida.
"As festas de aniversário [na verdade, a cada mês de vida da criança, o que foi chamado de "mêsversário"] me davam força, porque era uma terapia. Eu me concentrava nisso. Mas havia a questão financeira. Eu tinha de fazer alguma coisa para a gente comer, morar, comprar as coisas que ela precisava", relembra.
Vanessa não sabia cozinhar. Pelo menos não para vender para os outros. Resolveu tentar bolos. Não deu certo. Quando as restrições da pandemia foram relaxadas, apostou no brigadeiro, mas percebeu que a concorrência era enorme. Ela precisava de um diferencial. Uma cliente a lembrou de que não havia ninguém —que ela soubesse— em Salvador, vendendo brownie.
"Eu nem sabia o que era isso", confessa.
Começou a testar receitas que encontrou no YouTube. Pesquisou em sites pelo Google. Experimentou por meses e, mesmo depois que começou a vender seu produto, confessa que não estava satisfeita. Levou dois anos, afirma, para chegar ao seu sabor, ao que considera ideal. O sabor da Cacau Crioula.
A professora de dança que não sabia bem como vender o produto encontrou seu lugar no Rio Vermelho, região próxima à comunidade em que vive, conhecida pelos bares e ecletismo. Quem não sabia sequer o que era brownie hoje recita expressões como "pitch de vendas", qual o "mindset" a ser empregado e o "rebranding" pelo qual a Cacau Crioula passou nos últimos tempos, com mudança e mensagens impressas nas embalagens.
"A rua tem esse poder. Nossos negócios movimentam a economia do país, mas não somos valorizados. Ao contrário, há pessoas que nos veem com muito preconceito", reclama.
Donos de restaurantes que barram outros vendedores permitem que Vanessa entre para oferecer seus produtos de caramelo salgado, nutella com amendoim e, claro, dendê e gengibre.
"O prêmio me deu a certeza que estou no caminho certo. É um alívio perceber isso porque, quando comecei, não sabia para onde isso tudo ia me levar. O negócio nasceu por uma necessidade imediata, não porque planejava", completa.
Com o dinheiro, ela comprou um estande de plástico maior para exibir os brownies. Quer montar uma cozinha semiprofissional em um cômodo ao lado de sua casa. Tem planos de atender eventos corporativos. Ou, para usar uma palavra que ela sequer sonhou em empregar no início de 2020: expandir. Mas sempre com um pé na rua. Sempre como ambulante.
As aulas de dança ficaram no passado. Quando a pandemia acabou, recebeu convites e voltou a dar algumas, mas descobriu que não tinha mais tempo. Sua prioridade passara a ser atender a nação brownera.
"Eu sou uma mulher preta e periférica. Sei o quanto tudo isso foi desafiador".